O 25 de abril apanhou-me, quando estava no primeiro ano da Escola Náutica.
Na época quase todos os nossos professores eram oficiais da Marinha de Guerra, que tinham uma supervisão quase total sobre a formação destinada aos que iriam encarregar-se dos mais de duzentos navios então existentes na marinha mercante nacional.
Uma das memórias, que melhor guardo desse tempo foi o estado jubilatório em que encontrámos o nosso professor de matemática numa manhã do final de abril: não cabia em si de contente pelas perspetivas abertas pela revolução. E justificava:
- É verdadeiramente encantador, que acabemos com uma sociedade onde são sempre os mesmos quem mandam e o poder caberá a todos nós!
Nunca mais esqueci essas palavras desconfiando de como terá ficado desiludido, um ano e meio depois, quando a festa acabou!
É este tipo de memórias, que me relativizam hoje o contentamento com o sucedido ontem, mesmo alegrando-me a ideia de, antes de soprar as sessenta velas no bolo de aniversário, ver cumprido o meu anseio de sempre: a convergência de vontades nas esquerdas com representação parlamentar.
As governações de direita têm coincidido com os tempos menos felizes da minha já longa vida. Sobretudo por uma conclusão empírica, que quase poderia dar como certa: consoante o tipo de governos, que temos, também assim constatamos uma tendência coletiva para os mimetizar. Com líderes de direita as pessoas à nossa volta tendem a fechar-se nas conchas do seu individualismo e delas exalarem o que de pior têm, sobretudo quanto ao seu egoísmo e falta de solidariedade para com as dificuldades alheias. O ambiente coletivo costuma ficar soturno, se não mesmo tão negro quanto a tristeza.
Pelo contrário, quando é a esquerda a tomar as rédeas do poder tendem-se a potenciar as redes solidárias e esse mesmo ambiente torna-se mais alegre e colorido.
Num somos coagidos a abandonarmo-nos ao conformismo de termos vivido acima das nossas possibilidades e merecermos o castigo por isso. No outro recuperamos a esperança de serem possíveis tempos mais bonançosos.
O dia de ontem, 10 de novembro, abre o ciclo da esperança reconquistada, por muito que o inquilino de Belém ainda teime em fazer má vizinhança.
E por isso foi adequada a celebração que se seguiu. No nosso caso fomos até ao Restaurante O Bispo (Seixal) onde se anda a viver um oportuno ciclo dedicado a José Mário Branco, sobre quem se projetou o documentário «Mudar de Vida». E, de facto, do que precisamos é mesmo dessa mudança de vida, porfiando as vezes necessárias para que tenhamos uma sociedade mais justa, desenvolvida e igualitária.
No tema que dá título ao filme, o cantautor lembra o caso de Ehrlich, que anunciou a cura da sífilis depois de mais de novecentas tentativas para o conseguir.
- E nós, quantas vezes já tentámos? - pergunta Zé Mário Branco.
- Novecentas? … Seiscentas? … Dez?
Quantas vezes iremos ainda tentar que a sociedade em que vivemos se ajuste ao sentido utópico que para ela projetamos?
O novo governo, resultante da maioria da esquerda parlamentar, será mais uma tentativa. Será a certa, aquela que nos conduzirá ao sucesso pretendido?
Oxalá! Por que se não o for, lá temos de voltar a tentar. Para cumprir o que Beckett propunha: falhar, mas falhar sempre melhor!
Sem comentários:
Enviar um comentário