Há uns anos surpreendi-me pela forma como Saldanha Sanches falou depreciativamente de Maria José Morgado, com quem estava casado há muitos anos. Numa dessas críticas públicas, ele verberava-lhe a forma como se maquilhava que, de facto, a fazia parecer-se com uma nefertiti do tempo dos faraós.
Recordei isso ao vê-la num programa da RTP3 em que discutia o estado da (in)Justiça com Pinto Ribeiro e Saragoça da Matta.
“Discutia” era uma forma de expressão, já que abocanhou para si mais de metade do programa, não deixando os interlocutores concluir um raciocínio nem contrariar com um mínimo de profundidade as barbaridades que ia defendendo.
Para a procuradora do DIAP o ministério público é para ser defendido com o fervor de um hooligan, de pouco lhe interessando que direitos constitucionais dos arguidos sejam indecentemente violados em nome da suposta complexidade das investigações sobre crimes de colarinho branco. Muito embora o nome de José Sócrates nunca tenha vindo explicitamente à baila, ele andou sempre a pairar por toda a discussão com ela a achar perfeitamente normal, que alguém possa passar quase um ano privado dos seus direitos fundamentais, a começar pelo da liberdade, sem sequer conhecer nada sobre os motivos para ser preso. E, às tantas, sentiu-se o quanto incómodo foi para ela e para os colegas do ministério público, que as três televisões de notícias por cabo tenham transmitido em direto a conferência de Vila Velha do Ródão.
Aquela a quem o seu defunto parceiro já reconhecia como incapaz de se ver ao espelho, parece muito cega perante evidências que, com toda a educação, Pinto Ribeiro e Saragoça da Matta se esforçavam por lhe fazer o respetivo desenho.
Esse programa ainda me fez lembrar outro texto, lido no mesmo dia, em que Boaventura Sousa Santos aludia à estratégia das forças dominantes a nível político e económico - todas alinhadas com a ideologia neoliberal! - em eliminarem qualquer possibilidade de sucesso para quem, pela esquerda, procura opor-se-lhes. E uma dessas estratégias é precisamente a de, perante evidências de corrupção com políticos e empresários conotados com a direita, a (in)Justiça trata de os ilibar sem grandes pruridos. E os exemplos lusos com os arguidos do BPN, do BPP e de outros casos similares são-no bem demonstrativos. Mas, pelo contrário, quando consegue criar um “caso” com políticos de esquerda - vide o sucedido com Sócrates, Armando Vara ou Maria Lurdes Rodrigues - inventam-se “provas” para justificar acusações, que deixam atónitos até os mais distraídos.
Muito embora não tenha aprofundado o sucedido com a demissão do primeiro-ministro romeno, não me admiraria que se estivesse a verificar algo de semelhante dentro dessa estratégia de colocar a Justiça ao serviço de uma conspiração desenvolvida a partir de pasquins do tipo dos da Cofina.
É por tudo isso que, muito embora os partidos de esquerda tenham divergências nos seus programas e visões sobre o futuro, exige-se o ecletismo de saberem usar da sua inteligência para desmontarem os ataques ferozes, que se anteveem a curto prazo. Basta ouvir os comentadores e os entrevistadores dos vários canais televisivos para compreender que os ataques serão constantes e sem escrúpulos.
Naquilo que Alexandre Abreu designa como uma partida simultânea em vários tabuleiros a esquerda tem de revelar uma unidade inquebrável para destroçar a estratégia adversária. E a (in)Justiça é apenas um dos setores a necessitar de uma higiénica reforma...
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