Chegámos ao último domingo de passos coelho como primeiro-ministro. Não sabemos por quanto tempo continuará em funções num governo de gestão, mas já o será na condição de derrotado sem capacidade para obstar à inversão na relação de forças, que não quis reconhecer na noite de 4 de outubro.
Desde então sempre me insurgi contra os que, mesmo à esquerda, assumiam os resultados das legislativas como os de uma derrota do PS. Faziam o frete à direita e, sobretudo, ao cada vez mais exíguo setor segurista, que via, semana após semana, frustrar-se a possibilidade de reverter a derrota de há um ano nas Primárias.
Está a acontecer o que de melhor poderia ter acontecido ao Partido Socialista. Tivesse sido o Partido mais votado, sem conseguir a maioria absoluta - e não esteve longe de o conseguir, porque dissociados os votos do PSD e do CDS, concluir-se-ia por uma vitória tangencial do primeiro! - e António Costa estaria, por esta altura, a liderar um Governo atacado à esquerda e à direita, com sérias dificuldades para encarar a possibilidade de um universo temporal coincidente com o da legislatura.
O acordo agora estabelecido com o BE, com o PCP e com o PEV vem ao encontro de um desejo de sempre de muitos socialistas, que nunca se conformaram com a ideia de uma maior proximidade ideológica do PS com os partidos à sua direita. Como sempre tenho referido, não são as questões da Nato, do Tratado orçamental ou da forma de limitar os efeitos da dívida soberana a justificarem uma maior proximidade com a direita.
Sendo o socialismo a corrente ideológica, que pretende uma maior justiça e igualdade entre todos os cidadãos, o que pressupõe um papel fundamental do Estado na correção dos desequilíbrios criados pela periclitante sobrevivência do sistema de exploração do homem pelo homem, não vejo como esse anseio está mais próximo da direita do que dos partidos da esquerda, todos eles vocacionados para uma melhor qualidade de vida dos mais desfavorecidos.
Essa a razão, porque sempre entendi os comunistas ou os bloquistas como adversários políticos. Os inimigos, os que se acoitam nas trincheiras do outro lado do campo da batalha, são os que à direita pugnam pela intensificação daquela exploração. Privatizando, precarizando, empobrecendo.
Congratulo-me, pois, por ver, enfim, o meu Partido de há já trinta anos a coincidir finalmente com a minha mundivisão da realidade. E essa é uma mudança, que me faz admirar António Costa, Catarina Martins e Jerónimo de Sousa, com todos quantos os secundaram neste longo processo negocial. Porque poderão ter criado aquele momento determinante da História, em que vendo a bola a pairar por cima da rede a terão empurrado para o lado certo do court (vide «Match Point»).
O que de tal opção poderá resultar no extravasar das fronteiras para dar resposta a muitos dos impasses dos partidos socialistas e sociais-democratas europeus, cria legítimas expetativas, quanto a estarmos a viver um momento histórico.
É que, depois de confirmada a incapacidade da direita neoliberal para dar às classes médias a satisfação para as suas mais legítimas ambições, será altura de vir a esquerda mostrar o que vale, não só para esses setores particularmente determinantes nos resultados eleitorais, mas sobretudo para os mais fracos, aqueles que mais se têm alheado da capacidade de politicamente intervirem no sentido de melhorarem o futuro dos seus filhos.
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