1. Que haja quem na direita queira acreditar, ou fazer acreditar aos outros, em como a votação do eleitorado socialista não corresponde ao querer de quem foi há quase um mês depositar o voto em urna, ainda vá que não vá! Não fazem mais do que se espera de quem ainda acredita nas virtudes austericidas do capitalismo selvagem. Mas que Francisco Assis beba essa narrativa, já é mais difícil de engolir, sobretudo para quem o apoiou há quatro anos para secretário-geral, como foi o meu caso.
É verdade que, nessa altura, a escolha era apenas entre ele e Seguro. Por muitas dúvidas, que sobrassem do seu discurso ambíguo, sempre era melhor opção do que o arrivista, que estivera anos a fio a criar a rede de contactos capaz de o projetar para o cargo de líder socialista.
O resultado foi uma acumulação de tragédias: primeiro o resultado paupérrimo a quase permitir ao adversário uma vitória à kim jong-un. Depois os três anos de “liderança” de quem andou a esquecer-se de fazer oposição à direita por acreditar na possibilidade de ver o poder cair-lhe ao colo sem grande esforço. Explicam-se assim as lamentáveis abstenções violentas ou as perguntas parvas do tipo «qual é a pressa?».
Se Hegel constatara que a História repete-se sempre duas vezes, ao anunciar a pré-candidatura a secretário-geral no Congresso Socialista, Francisco Assis está em vias de dar razão a Karl Marx, que acrescentara ao criador do método dialético a inevitabilidade de na primeira vez se consumar uma tragédia, e na segunda uma farsa.
O anúncio de Assis é, pois, essa farsa de mau gosto com que uma minoria ainda ruidosa dentro do PS (pelo menos enquanto os media lhe atribuírem a importância que não tem!) procura criar obstáculos a uma dinâmica, que assusta sobretudo quem deles quer fazer idiotas úteis: essa direita, que já abandonou passos coelho e paulo portas (assim se compreende a composição do XX Governo Constitucional!), e sonha fazê-los protagonistas da sua estratégia.
Ao contrário do que dizem os opinadores dessa direita, e essa minoria dentro do PS, não existe hoje nenhuma afinidade entre o eleitorado socialista e a direita. Quem andou na campanha a distribuir propaganda sabe bem o que ouviu: a prioridade era «correr com eles»!, e esse é o fator de união entre socialistas, comunistas e bloquistas. Se estes últimos se dispuseram a apoiar um governo liderado por António Costa, não o fazem por pragmatismo ideológico, mas por ser essa a exigência dos seus eleitorados. Basta lembrar o ritmo quotidiano com que Jerónimo de Sousa era interpelado por quem queria saber para quando surgiria uma união das esquerdas.
Como socialista tenho a certeza de que a grande maioria do eleitorado que votou PS no dia 4 de outubro, quer exatamente o mesmo do que motivou outros a votarem CDU e Bloco de Esquerda: mais empregos, menos precariedade, respeito pelas pensões de reforma e bons serviços públicos de saúde e de educação.
Quer isto significar que não quero saber das supostas divergências sobre a Nato ou a União Europeia. Tanto mais que a Aliança Militar deveria ter sido dissolvida quanto aconteceu o mesmo ao Pacto de Varsóvia e só persiste como argumento de peso para que as empresas produtoras de armamento nos EUA, na Alemanha ou em França continuem a faturar, mesmo sem perspetivas de guerras militares que justifiquem a sua atividade.
E quanto à União Europeia já a vemos transformada numa caricatura em relação ao que foram os projetos de Jean Monnet, e até de Mitterrand, Kohl ou Delors: em vez de significarem a expressão de uma Europa dos Cidadãos, as instituições de Bruxelas ou de Estrasburgo transformaram-se na luta de galos entre lobbies, que as tomaram de assalto, como se depreende da notícia sobre onde estão atualmente a trabalhar os membros da equipa de durão barroso.
Hoje não tenho dúvida nenhuma que, como socialista, estou muito mais próximo dos comunistas e dos bloquistas do que dos partidos de direita. E tenho pena que, iludido pela miopia ideológica, de que vai dando sobejas provas, Francisco Assis se disponha a ser a marionete de titereiros, que o manipulam a seu bel prazer sem o próprio disso se dar conta. Ou dá-se, o que o torna ainda mais perigoso…
2. O que tem sido mais interessante no acompanhamento semanal do «Eixo do Mal» é a evolução de alguns dos seus protagonistas. Assim, enquanto apoiante de Sampaio da Nóvoa, é-me gratificante constatar o facto de ali só existirem verdadeiramente dois candidatos a sério: ele e marcelo rebelo de sousa.
As palavras de Maria de Belém nem sequer são consideradas, pela inconsistência de que vão dando provas. E, de facto, uma suposta candidata cuja reação ao discurso mais recente de cavaco se resumiu a constatar que a maioria dos comentadores da televisão o acharam menos crispado, diz tudo sobre o que vai naquela cabecinha…
Mas a relevância crescente assumida pela personalidade do antigo reitor da Universidade de Lisboa está bem expressa na atitude de Luís Pedro Nunes que, de início, parodiava a candidatura com a aparência de nem sequer conseguir articular-lhe o nome e, agora, fala com respeito do «Professor Sampaio da Nóvoa». É a direita troglodita a render-se a uma evidência.
Mas há também Clara Ferreira Alves que teve, agora, de reconhecer o engano de achar que cavaco nunca daria posse a António Costa. Nestas quatro semanas a jornalista do grupo de Balsemão foi evoluindo da histeria descontrolada para a tentativa de controlo das emoções mais destemperadas para agora se situar à beira da deprimida racionalidade de quem já vê como inevitável um governo de esquerda com que não concorda.
3. No meio de tudo quanto tem sucedido nestas quatro semanas só podemos elogiar a estratégia de António Costa. A calma perante as circunstâncias e a capacidade para manter secretas umas negociações, que a direita desejaria conhecer ao pormenor para melhor as sabotar com a ajuda dos «observadores» e aparentados, tem sido a razão para o sucesso, que se avizinha.
Se o futuro primeiro-ministro mantiver a mesma habilidade na gestão das divergências inevitáveis entre as quatro forças partidárias envolvidas na sua maioria, e as souber perdurar durante mais do que um ou dois anos, poderemos assistir a uma séria implosão da direita teapartizada, que passos coelho personificou. E talvez assistamos ao ressurgimento de um discurso conservador, que mesmo sabendo nós ao que virá, não deixará de se comprometer com os objetivos inerentes a um Estado Social.
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