No dia em que passos coelho manifestou para os jornais a disponibilidade para continuar à frente de um governo de gestão tanto tempo quanto o necessário - é tão apetecível continuar agarrado ao pote, que não importam as consequências de uma tal “solução”! - Pedro Nuno Santos deu ao «Público» uma excelente entrevista.
Em primeiro lugar é implícita a certeza de vir a haver um acordo entre os quatro partidos parlamentares, mas só dado a conhecer no próprio dia da apresentação do programa da coligação PSD/CDS por ser essa a forma mais eficaz de impedi-la de transferir para aquele o ónus da discussão e para servir de garantia do que Valdemar Cruz designava, esta manhã, no «Expresso Curto» como sendo a TIA—There is alternative.
Segundo Pedro Nuno Santos o que está a ser discutido é a resposta conjunta a situações excecionais durante a duração do acordo , contemplando o “compromisso de que isso não vai afetar os rendimentos dos trabalhadores, dos pensionistas, que não haverá cortes nas pensões, nos salários, ou aumentos nos impostos sobre rendimentos do trabalho”.
Existe a clara noção das dificuldades a enfrentar pelo Governo apoiado pelas esquerdas, que terá contra si as dificuldades da conjuntura e a barragem de fogo contínuo lançado pelos partidos da direita com a conivência da comunicação social quase toda a eles afeta.
Trata-se, por isso mesmo de um Governo legitimado pelos compromissos assumidos durante a campanha eleitoral: “António Costa disse sempre que não viabilizaria um Governo minoritário de direita. E nunca disse que não formaria uma maioria com os partidos à esquerda.”
É por isso mesmo que o Secretariado nacional do PS tem a confiança de estar a corresponder às aspirações da maioria dos militantes: “Porque se há coisa que os militantes não querem que o PS seja é a muleta de um Governo minoritário de direita.”
Daí que Pedro Nuno Santos, mesmo sem negar o direito à discordância de opiniões pelos que secundam Francisco Assi , deles se demarque quanto ao argumento de haver um abandono do centro por parte do PS, desviando-se assim do seu ideário. E é esta a parte da entrevista, que resulta mais interessante por ser aquela que retira todos os argumentos emitidos pelos que, internamente, andam a fazer favores à direita: “O PS não abandonou o seu programa de sempre. Primeiro: não abandonou a maioria que defende a manutenção de Portugal no projeto europeu. O programa de governo garantirá isso. Segundo: o PS também não abandonou a maioria que defende a preservação e defesa do Estado social português. E por isso, desse ponto de vista, o PS não mudou. O PS mantém-se na intersecção das duas grandes maiorias que compõem a vontade do povo português.”
Se houve um partido, que se afastou do centro político e decidiu pender para um extremismo, que nada tem a ver com os interesses da classe média, foi o PSD “ao abandonar o consenso nacional na preservação e defesa do Estado social.
Estou a falar do Serviço Nacional de Saúde. Nos últimos quatro anos empurraram-se para fora do SNS centenas de milhares de portugueses com o aumento das taxas moderadoras, nalguns casos para o dobro e triplo. E a direita propõe-se a continuar a fazê-lo. Essa é uma estratégia a prazo de privatização da saúde pública.
O mesmo aconteceu com a Educação. O Governo PSD-CDS, ao abrigo da liberdade de escolha, permite que se façam contratos de associação com escolas privadas onde nas proximidades existem escolas públicas a funcionar abaixo da sua capacidade.
Temos uma coligação de direita que se propôs a privatizar parte das receitas da Segurança Social, numa visão diametralmente oposta àquela que o PS defende.
O mesmo acontece no emprego. Se atentarmos ao programa eleitoral do PS, é dada uma grande prioridade à precariedade no sector privado e público.
É importante que se perceba isto: nós hoje chegámos a um ponto em que o PSD se encostou ao programa liberal do CDS e assim se afastou do centro. E foi esse afastamento do PSD do centro que facilitou o que estamos a fazer com o PCP e BE.”
O sucesso do novo Governo liderado por António Costa estará, pois, dependente da sua capacidade em devolver à classe média a satisfação ao seu desejo de “um Estado social forte, público e universal, tendencialmente gratuito. E é essa classe média que, com a degradação dos serviços públicos, mais sofreu nos últimos quatro anos. E é para a classe média que o PS fala, quando fala da defesa do Estado social.”
Voltando ao (frustrado) grupo excursionista do próximo sábado, Pedro Nuno Santos junta-se a quase todos os socialistas, que não gostam de ver alguns dos seus ex-dirigentes dar munições à direita. Até porque é falacioso outro dos seus argumentos mais badalados: o de que o acordo à esquerda impedirá o país de fazer “as reformas de que necessita”. Ora, Pedro Nuno Santos é muito claro quando esclarece existirem reformas … e reformas: “existe uma diferença ideológica que tem de ser debatida. O PS já fez reformas no passado e chegou a fazer uma reforma sobre Segurança Social com o apoio do PCP e do BE. E as reformas que temos de fazer são as que mantenham a Segurança Social pública.
A única reforma que poderíamos fazer com a direita era uma que privatizasse parte da Segurança Social. Por isso, de facto, é verdade que uma aliança com o PCP e BE pressupõe uma forma de reformar o Estado social. E um apoio a um Governo de direita pressupõe reformas noutro sentido.”
O que fica demonstrada a partir desta entrevista é a necessidade de uma clarificação ideológica dentro do Partido Socialista no próximo Congresso: ou se mantém a sua natureza socialista, dando substância governativa aos seus valores fundamentais, ou se aceitam os equívocos da “terceira via” e acaba-se por imitar outros partidos sociais-democratas europeus, que só servem de muleta à imposição dos programas neoliberais da direita.
Até por ser uma mudança que, iniciando-se em Portugal, poderá ter efeitos significativos no resto da Europa, é fundamental que a estratégia agora seguida pela liderança do PS saia superlativamente vencedora...
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