Apetece-me ser politicamente incorreto com quase quotidiana frequência por muito que arrisque beliscar a sensibilidade de muitos dos que me leem. Por exemplo, como ateu, posso questionar-me como é possível aos familiares das vítimas da queda de um carvalho na Madeira continuarem a acreditar em Deus se, a seu ver, Ele se terá exprimido de forma tão cruel e inexplicável? Ou porque terá feito tombar um enorme andor em Lousada, se ele estaria projetado para O homenagear - ainda que aqui ainda consiga vislumbrar alguma semelhança com a decisão punitiva de Deus sobre os arrogantes construtores da Torre de Babel.
Se quiser ser um pouco mais provocador posso sempre questionar o que leva Deus a causar sofrimento aos seus cultores, quando os deveria apaparicar com a satisfação de todos os seus pedidos de milagres? Ora sabemos bem como os coxos, os marrecos ou os mudos, que se arrastam anualmente em peregrinações a Fátima, não regressam às suas aldeias curados das suas maleitas e até se veem amiúde acusados de deverem o seu fracasso a insuficiente fé no Divino Espírito Santo.
Vem isto a propósito de um comentário de João Quadros a respeito da cabeça rapada da mulher de Passos Coelho e que suscitou uma violenta reação inquisitorial contra o cronista nas redes sociais. Pelos vistos há muita gente, que mesmo discordando das opiniões políticas do ainda líder da Oposição, não aceita que se aluda à doença grave da azarada “consorte”.
Gostaria de saber se esses torquemadas de trazer por casa terão manifestado igual repúdio, quando aquele que agora defendem recorreu ao falso suicídio de pessoas em Pedrógão Grande. Ou se reagiram à necrofagia de que o PSD e o CDS se alimentaram dias a fio a propósito das vítimas de dois meses atrás. Pessoalmente tanto se me dá como se me deu, que a senhora em causa se salve ou não dos males, que a afligem. Tenho a certeza de que haverá doentes em estado bastante mais grave, mas com menos condições de acesso a tratamentos adequados nos hospitais públicos ou privados, e por quem só os mais próximos verterão compassivas lágrimas.
Revisitando a piada de João Quadros até a considero grácil na sua fina ironia, sobretudo porque o discurso de Passos Coelho na Quarteira colou-se ao do seu repelente candidato autárquico em Loures e não desdenha da sua filiação nos movimentos neonazis.
A exemplo do que se passa com Trump a propósito dos acontecimentos de Charlotesville há alguma equidistância entre a evidente filiação fascista de Passos Coelho e a piada sibilina de João Quadros? Nenhuma, porque enquanto este último assume a crítica contundente às palavras execráveis do primeiro, os que se põem do lado do visado tornam-se cúmplices ativos do seu novo posicionamento ideológico.
Ao contrário dos que consideraram a piada como sinónimo de mau gosto, eu diria que ela responde na mesma moeda em que Passos Coelho tem primado nos últimos tempos. Se há alguém a atirar para a fogueira da nova Inquisição não é quem denuncia aquele que se deleitava com a possibilidade da vinda do Diabo, mas quem deste se revelou inegável cultor.
Sem comentários:
Enviar um comentário