Nicolau Santos anda muito dedicado à fina ironia. Não consigo imaginar o que é o seu convívio diário com alguns dos seus colegas na redação do «Expresso», que continuam entregues aos dogmas austeritários e ainda mostram saudades pelas «reformas estruturais» da troika. Desconfio que, no meio de tanto defensor dos dogmas capitalistas, o pobre Nicolau se sinta uma espécie de patinho feio, apenas tolerado entre os demais. Talvez sejam eles os leitores prioritários, que procura alcançar com textos como o de ontem - «Rogoff, o esquerdista que quer perdoar as dívidas» - em que volta à carga com a entrevista do fim-de-semana com um dos mais prestigiados economistas do nosso tempo e do qual nunca se suspeitaram quaisquer simpatias esquerdistas.
Ora não é que já não é apenas Krugman, nem Stieglitz - Nobéis reconhecidos, mas desqualificados pelas tais simpatias exageradas à esquerda - a dizerem o óbvio? Todas as receitas assumidas pelo FMI e pelas autoridades europeias na sequência da crise de 2008 não fazem qualquer sentido. Dívidas como as de Portugal ou da Grécia deveriam ter sido perdoadas, ou no mínimo mutualizadas. Em vez de se exigirem orçamentos restritivos deveria ter-se-permitido um défice mais elevado, mas com fortes incentivos a infraestruturas capazes de absorverem desempregados e alavancarem as atividades económicas.
Gozando com os vieiraspereiras ou os luismarques, Nicolau equipara as ideias de Rogoff ás de Catarina Martins ou às de Jerónimo de Sousa, manifestamente muito mais competentes para analisarem a realidade e darem-lhe soluções do que quantos se inibem com a incurável cegueira ideológica de que padecem.
A curiosidade será a de constatar até que ponto continuaremos a ver a verdadeira galeria de horrores, essas “sumidades” que assinam colunas regulares no suplemento de Economia do semanário de Balsemão a manterem as suas alarvidades tão a contrario do que vão debitando os principais gurus deste ramo do saber? Por quanto tempo um João Duque ou um Daniel Bessa manterão os axiomas, que afinal se revelam bem mais frágeis na sua solidez teórica do que pretenderiam enquanto tardios discípulos?
Estamos a entrar numa nova era em que os políticos das direitas andam feitos baratas tontas a persistirem nos erros de cujos trágicos resultados se recensearam já tantas vítimas, continuando a defender a necessidade de tudo privatizar, desregulamentar ou austerizar, porque a alternativa faz-lhes pele de galinha. É que, se as leis do mercado andam a suscitar desigualdades crescentes e empobrecimento global, pressentem surgir como receita ideológica alternativa aquela que nem sequer se atrevem a nomear sob pena de ficarem instantaneamente com pele de galinha.
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