Numa das edições mais recentes a Slate Magazine enviou uma equipa de reportagem aos Estados da “rust belt”, outrora industrializados e para cujos habitantes a globalização significou desemprego e falta de expectativas quanto a um futuro decente. Nas eleições de novembro passado foi a sua votação maioritária em Donald Trump, que levou este último à Casa Branca.
O propósito do trabalho jornalístico era aferir até que ponto os eleitores já estariam convencidos do seu erro passados seis meses sobre essa eleição, tão inoperante tem sido a nova administração em cumprir as promessas com que os haviam convencido. A conclusão foi dececionante: apesar de só terem visto a qualidade de vida agravar-se e estarem cientes de nada vir a melhorar com Trump a liderar os destinos do país, os eleitores continuam convencidos da justeza do seu voto. É que nunca terão alimentado grandes ilusões quanto à miraculosa solução de ter o tempo a voltar para trás, para o mítico passado em que se julgavam viver à beira do paraíso. O que motivara o seu voto fora o desejo de vingança contra o que a manipulação os levou a crer: os culpados do seu desespero são as elites dos estados banhados pelo Atlântico e pelo Pacífico, que viram as novas tecnologias melhorarem-lhes o quotidiano e se dispuseram a virar do avesso os preconceitos subjacentes à sociedade desse passado endeusado. Terem visto esses Estados imporem os Direitos Cívicos para as populações de cor, liberalizarem o aborto e generalizarem a todo o país o casamento entre pessoas do mesmo sexo, criou um sentimento de revanchismo suficiente para virar a metade do país contra a outra metade.
De fora custa aceitar que essa metade seja a menos instruída e a mais intolerante. Numa sociedade pós-industrial resulta absurda a tentativa de retroceder para os valores da primeira metade do século anterior, mas esta é a realidade presente, que nem o caos instituído em Washington pela incompetência de Trump consegue alterar.
Convenhamos que, nesta altura, os Democratas também andam a fazer o suficiente para que o eleitorado não inflita em seu favor: os que quase levaram Sanders à vitória nas Primárias não conseguiram conquistar a máquina do partido e esta age com inesperada estupidez. O exemplo mais recente é o de admitir candidatos à Câmara dos Representantes e ao Senado, que defendam a proibição do aborto, fazendo retroceder várias décadas a política oficial do partido.
Com essa e outras atitudes semelhantes justifica-se o pessimismo quanto à possibilidade de, daqui a um ano, ver-se a maioria republicana nas duas Câmaras posta em causa.
Esta reportagem da Slate relaciona-se, ademais, com os resultados da sondagem conhecida esta semana e que dá o Partido Socialista a distanciar-se significativamente do PSD e o conjunto dos partidos de esquerda a totalizarem quase o dobro dos apoios reconhecidos aos das direitas. Mas, se esta notícia satisfaz a confiança em não vermos tão cedo repetido o pesadelo dos quatro anos decorridos entre 2011 e 2015, podemo-nos porém interrogar sobre como é possível que um em cada três eleitores ainda continue a prometer o voto em Passos Coelho ou Assunção Cristas tão mentecapta tem sido a sua ação como líderes da Oposição. O que justifica que haja quem veja e ouça tais criaturas e não se sinta à beira do vómito ou, no mínimo, à vontade de mudar de canal? Se em tempos era a vingança dos retornados contra os que, na metrópole, haviam feito a Revolução, que os tinha expulso de África, explicava muitos dos votos da pouco democrática Aliança sácarneirista ou cavaquista, que tipo de emoções malignas justifica ainda a aversão desse terço do eleitorado quanto às bem mais competentes esquerdas para lhes melhorar a qualidade de vida e as expectativas quanto ao futuro?
A resposta é só uma: por incúria do governo e dos demais partidos da esquerda parlamentar. A resposta aos incêndios e ao furto de armas em Tancos deveria ter merecido uma maior competência na forma como se comunicou com os portugueses. Foram dadas demasiadas abébias passíveis de serem exploradas pela adversa comunicação social. Reagiu-se, mais do que se antecipou os ataques que «especialistas», candidatos laranja às autárquicas mascarados de bombeiros, de presidentes da câmara ou de «associações de vítimas», se apressaram a explorar. Mas, sobretudo, as esquerdas continuam a dar sinais de divergências sérias, quando deixariam bem mais tranquilos os que as apoiam se demonstrassem a vontade de prolongar duradouramente os acordos concretizados há quase dois anos.
Se podemos dizer que já aprenderam muito com os erros do passado, os partidos da maioria parlamentar teimam em não retirar as devidas ilações de quanto poderão perder se se desunirem em vez de se aproximarem...
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