Ao ouvir Francisco Assis fazer alguma apreciação sobre o momento político nacional fico, amiúde, indignado com o teor das suas palavras. As mais das vezes pergunto-me: como foi possível apoiá-lo em 2011 para o cargo de secretário-geral? Só me desculpo de imediato, porque o outro contendor era António José Seguro e, entre um e outro, a antipatia por este último tudo justificava. Com razão, como logo se viu, porque nunca me senti tão órfão de uma liderança digna desse nome como nesses anos da troika, quando cheguei a ponderar na séria possibilidade de entregar o cartão de militante obtido a meio da década de oitenta.
Quando apoiei Assis via-o como um socialista sério, que não viraria ainda mais o partido na direção da fraudulenta versão da terceira via. Não adivinhava o quanto ele mudara, entretanto, e já não era aquele que, em tempos, parecia inequívoco na vontade de ver concretizada uma maioria parlamentar como a atual.
A comprová-lo está este extrato de uma entrevista facultada a São José de Almeida em 25 de março de 2001 e então inserida no «Público». A vantagem de dar a volta a papéis antigos é deparar-me com surpresas como estas. Porque o desafio, que aqui deixo é este: a exemplo do que eu próprio fiz convidem alguém a adivinhar o autor das palavras que se seguem situando-as nessa data longínqua em que Guterres se aprestava para abandonar o que considerava um «pântano». O mais certo é o vosso interlocutor apontar a autoria de tais propósitos a António Costa.
Impressiona, pois, como Assis teve a argúcia de pressentir as vantagens da atual solução governativa e, ao vê-la concretizada, dela dissociar-se e criticá-la como ilegítima. Quanto é capaz de mudar uma pessoa em apenas dezasseis anos de vida?!
Apreciem então esse extrato da entrevista:
“É o aspeto onde eu acho que há uma lacuna na moção do secretário-geral e direi isso no Congresso. António Guterres limita-se a enunciar um problema e não tanto em propor uma solução. Um problema que é real e que se coloca à esquerda: há dez por cento da esquerda que tem representação ao nível parlamentar mas não têm representação a nível da governabilidade. Isso introduz assimetrias no sistema político e prejudica a esquerda. E basta haver uma aliança à direita para percebermos exatamente as consequências negativas para uma política que se situe à esquerda.
Depois da queda do Muro, da desintegração da União Soviética, da falência do modelo marxista-leninista, acho que o PCP, não querendo mudar intrinsecamente, já mudou a sua posição na sociedade. Assim, devemos ter com os comunistas uma relação que é esta: eles são como são, têm as posições que têm e ainda a identidade que têm, evoluirão como evoluirão, não está ao nosso alcance determinar a maneira como vão evoluir. Agora o que penso é que deve haver um diálogo duro, sério, muitas vezes difícil. Como fazemos às vezes aqui na Assembleia da República e, por isso, já garantimos a aprovação de algumas coisas, a reforma da segurança social e a reforma fiscal. Se está demonstrado que ainda não é possível um entendimento geral de incidência governativa com este PCP a verdade é que já é possível estabelecer alguns acordos com vantagens.”
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