Às vezes complicamos o nosso trabalho político ao atribuirmos demasiada importância ao discurso alheio sobre quem somos e o que defendemos.
Quando ainda ouvimos os argumentos dos vencidos nas Primárias e nos esquecemos o quanto continuam ressabiados e viram defraudadas muitas das expectativas pessoais alimentadas durante três anos, acabamos por alimentar dúvidas, que não fazem sentido.
Ao depararmo-nos com as sucessivas mentiras dos porta-vozes da direita e abrimos a porta a acreditar, por pouco que seja, no seu discurso fraudulento sobre o desemprego, o crescimento da economia ou a falência anunciada da Segurança Social, damos razão a António Costa, quando dizia: “Enquanto estivermos a pensar como a direita, não nos livramos de governar como a direita.”
Olhando para o que dizem os simpatizantes dos partidos que, em 2011, se juntaram ao PSD e ao CDS para derrubarem o PEC-IV, podemos concordar com muita da argumentação com que fustigam a governação de passos coelho, mas não podemos deixar de recordar o quanto têm o péssimo hábito de se aliarem mais facilmente à direita do que ao Partido Socialista.
Proveio destes últimos algumas acusações infundadas sobre a personalidade do economista do Banco de Portugal, que António Costa incumbiu de coordenar o estudo macroeconómico apresentado como fundamento para as propostas programáticas do Partido Socialista. E alguns cuidaram de manifestar as dúvidas quanto ao ideário «demasiado à direita» de Mário Centeno ou a sua «aversão a contratos coletivos de trabalho».
Na excelente entrevista hoje inserida no «Público» ele tem a oportunidade de demonstrar a razão porque viu o secretário-geral do PS atribuir-lhe uma tão grande responsabilidade.
Ele começa por afiançar que os socialistas propõem reformas estruturais com substância, e demonstradas na sua exequibilidade pelos cálculos que as sustentam. E todas elas “promovem a redução sustentada da despesa pública, uma redução sustentada da carga fiscal e, ao mesmo tempo, uma melhoria do défice”.
Centeno rejeita que o programa eleitoral do PAF promova a previsibilidade. O autoelogio de passos coelho até raia o paradoxal tendo em conta que “se olharmos para a estrutura e evolução da despesa e da receita ao longo destes anos, percebemos que não há ali qualquer previsibilidade.”
Os portugueses já concluíram o que significa a aplicação deste tipo de austeridade cega: “faz cair a atividade económica, gera desconfiança nas pessoas”.
É, porém, quando fala das políticas sociais, que Mário Centeno melhor desmente as dúvidas que alguns socialistas manifestaram a seu respeito. Defende a penalização da precarização, porque, de acordo com a sua investigação sobre o mercado de trabalho em Portugal, demonstrou “de forma absolutamente clara à perda de capacidade produtiva da economia portuguesa.”
Para Centeno “nada é mais flexível do que um contrato a prazo. É impossível flexibilizar mais a lei portuguesa, porque um contrato a prazo é um ato administrativo de despedimento. É despedimento a prazo, ou seja, a prazo conhecido. Sabemos quando vai terminar. É preciso terminar com isso e deixar as empresas tomar decisões sobre salários e consolidar aquilo que são as relações laborais dentro das empresas, alargando a contratação coletiva, como é evidente”.
Os trabalhadores portugueses têm sofrido sucessivos cortes nos seus direitos e garantias, não só devido ao asqueroso colaboracionismo da UGT, mas também devido à estratégia ineficaz da CGTP. De facto, a confederação sindical afeta ao PCP lembra aquela personagem dos Monty Pithon no filme «O Cálice Sagrado», que ia desafiando outros cavaleiros com enorme prosápia, apesar de, entretanto, ir perdendo sucessivamente os braços e as pernas.
Os professores são um bom exemplo do que tem sido a falência da estratégia da CGTP: deixaram-se arregimentar para combaterem o governo de José Sócrates, e foram até muito influentes no seu derrube. E o que ganharam daquilo que Mário Nogueira lhes propusera? Nada!, é a resposta. Pelo contrário perderam muito mais do que, supostamente, estava em causa com a então odiada avaliação de competências.
Ora, Mário Centeno defende relações concertadas entre o patronato e quem trabalha, recuperando muito da relevância em tempos atribuída às Comissões de Trabalhadores e aos sindicatos, a exemplo do que sucede na Alemanha da senhora Merkel.
Na extensa entrevista dada a São José Almeida e a Sérgio Aníbal, o provável ministro do próximo governo ainda se debruça sobre a Segurança Social refutando qualquer virtualidade ao plafonamento tão idolatrado pela direita: “em nome da liberdade de 5% dos portugueses, colocar em risco de corte as pensões de 95% dos portugueses”.
A resposta para a sustentabilidade das atuais e futuras pensões terá de ser encontrada com um conjunto de políticas promotoras do emprego. E quanto aos argumentos falaciosos dos que duvidam das virtudes da temporária redução das contribuições para a Segurança Social ele invoca a urgência de garantir maiores rendimentos para as famílias em nome da urgente qualificação das gerações mais novas: “Os estudos mostram que as famílias em que existem restrições financeiras têm uma probabilidade que é metade da das outras famílias que os seus filhos se mantenham na escola depois da escolaridade obrigatória. Isto é uma restrição enormíssima ao desenvolvimento do país”.
Existe, pois, uma diferença abissal entre o programa do Partido Socialista, apresentado na altura certa para ser escrutinado e discutido quanto aos cálculos financeiros em que se apoia e o do PAF, sem quaisquer fundamentos quantitativos, que o suportem, e anunciado quase clandestinamente na véspera do país meter férias.
Pelo conteúdo, pelo rigor e pela substância não há comparação possível entre o que os portugueses sabem hoje do que propõe o PS e do que mentirosamente promete o PAF.
No dia 4 de outubro será bom, que premeiem devidamente essa abissal diferença.
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