A idade já me basta para ter memória da esperança representada pela eleição de Salvador Allende em 1970 como presidente chileno e dos debates então havidos à esquerda a nível internacional: seria possível impor políticas socialistas sem o conforto de uma ditadura proletária, possibilitada por uma Revolução de massas conscientes dos seus objetivos? Estava, então, na moda a pertinente frase de Mao Zedong segundo o qual a Revolução não é propriamente um convite para jantar.
Os socialistas europeus, nomeadamente os franceses liderados por Mitterrand, apostavam na possibilidade de conseguir mudanças por via eleitoral, pelo que viam com muita expetativa a experiência chilena.
Ela durou apenas três anos e deu, momentaneamente, razão aos que defendiam a inevitabilidade de, desde o primeiro dia, um governo de esquerda estar condenado a tomar medidas de força contra quem tudo fará para o derrubar. Mas as derradeiras palavras de Allende, que nunca são demais lembrar, sugeriam o contrário: uma derrota não bastaria para travar a dinâmica histórica de reequilibrar a relação de forças entre quem quer mais igualdade e quem apostará sempre no privilégio obsceno de alguns.
Tenho evocado Allende e esse discurso durante esta semana já decorrida desde a vitória de Tsipras nas eleições gregas. Se aquele procurou a mudança com a permanente ameaça da oligarquia chilena e da CIA a pender sobre si, o novo primeiro-ministro grego conta com inimigos não menos perigosos. E não os restrinjamos à senhora merkel e ao seu sinistro ministro das finanças, ou muito menos ao pateta, que lhes serve de criado por estas bandas. Quem está verdadeiramente apostado em derrotar Tsipras é o mesmo capital financeiro, que Hollande prometeu combater e cobardemente desistiu de o fazer, por ser ele a ver em perigo o quanto conquistou desde a queda do muro de Berlim.
Já o escrevi e volto aqui a repeti-lo: não sou dos que alguma vez darei para o peditório de umas quaisquer comemorações sobre a união das duas Alemanhas. Os factos demonstram quão nefasto foi esse acontecimento, que eliminou um dos motivos para os capitalistas ocidentais mostrarem maior comedimento na exploração das classes médias e desfavorecidas a quem, até então, propiciaram relativo bem estar não fossem elas deixarem-se embalar pelas falsas utopias sopradas de Moscovo.
Tem urgido encontrar um travão para a ganância cada vez mais despudorada, que esse mesmo capitalismo tem demonstrado e está bem evidenciado na obscena realidade de pobreza que quis impor aos gregos.
A vitória de Tsipras abriu a esperança em que esse travão surta efeito. E esperemos que se siga em Espanha com o PSOE e o Podemos a conseguirem a maioria absoluta e confirmarem a definitiva mudança da orientação dos ventos nos países do sul. Talvez então Rienzi seja mais escutado relativamente ao que vem dizendo e o próprio Hollande recupere a coragem perdida. António Costa já se inserirá então numa dinâmica, que se tornará imparável...
Quarenta e dois anos depois volta a pôr-se a questão: podem as mudanças surgir de novas realidades eleitorais? Façamos votos para que sim, até porque o Syriza nem sequer corresponde à radicalidade dos projetos de Allende em 1970: a implantação de uma sociedade socialista.
De facto, Tsipras apenas quer devolver alguma sensatez a uma Europa tomada de assalto durante demasiados anos por fanáticos, esses sim radicais da extrema-direita, que quiseram impor a austeridade como forma mais expedita de ir ao encontro do tal capital financeiro de que se fizerem voluntariosas marionetas.
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