Posso estar a manifestar o meu irritante otimismo, mas estou convencido de que, a exemplo do movimento das marés, a ameaçadora vaga da extrema-direita já alcançou o pico máximo e começa a perder força. Não é apenas pelo facto de Bolsonaro estar a demonstrar diariamente a menos valia, que representa para quem por ele se deixou iludir. À exceção da atriz Regina Duarte que, num longínquo passado, fez «Malu Mulher», já poucos arriscam a identificação com um verme disfarçado de inquilino do Palácio do Planalto. Nem tão pouco por Matteo Salvini estar a cair nas sondagens e ver-se relegado para vociferante oposição de um governo com três anos para mostrar quão inútil ele é para conseguir melhor vida para os italianos. Ou porque a imprensa dava a extrema-direita alemã como potencial vencedora nas eleições para os parlamentos do Brandeburgo e da Saxónia e a previsão falhou redondamente.
É verdade que os refugiados continuarão a servir de falso argumento às extremas-direitas, que não possuem qualquer programa político, que não seja a discriminação e a repressão das liberdades fundamentais. Mas, ainda que se repitam situações como a ocorrida este fim-de-semana em Lyon, elas tendem a tornar-se mais espaçadas e a merecerem espaço reduzido nas preocupações da opinião pública.
Quererá isso significar que podemos abrandar na vigilância antifascista? Claro que não! A realidade tem-nos demonstrado que a serpente está sempre pronta para ser incubada e chocada, saindo do ovo nas alturas mais críticas. Destruí-lo, antes que se revele demasiado perigoso, constitui imperativo, que nunca se deve esquecer. Daí que não faça qualquer sentido o Museu que o presidente da Câmara de Santa Comba quer fazer como espaço hagiográfico dedicado a Salazar. Em vez de exporem relíquias, que justifiquem peregrinações de prosélitos, importa lembrar os crimes por ele cometidos e causadores de muitas mortes e sofrimento para tantos portugueses. É claro que, sem surpresa, António Barreto vem defender no «Público» deste domingo a criação de tal aborto em forma de projeto. Mas vale a pena questionar quem ainda dá atenção ao que escreve aquele que fica para a História como o destruidor da Reforma Agrária no pós-25 de novembro.
Por essa altura andava a passear por Lisboa um fulano barbudo e meio excêntrico, que a História registaria como cantor meritório com o nome de António Variações. O filme sobre a seu percurso biográfico está nos cinemas e parece registar imerecido sucesso. Porque, a exemplo da biopic sobre Snu Abexassis realizada por uma assumida defensora do PSD, o filme sobre Variações só procura incensar uma transformação cultural e de valores, que se identificava com o grupo do jornal Independente com que uma certa direita procurou glamourizar tudo quanto pudesse opor à então preponderância intelectual da esquerda.
Até aprecio alguns dos temas de Variações, mas nenhum deles se sobrepõe aos que, por essa altura compunham Zeca Afonso, Zé Mário Branco, Sérgio Godinho ou Fausto. E pretender trazer de volta o individualismo daquele só cauciona a secundarização dos que verdadeiramente tinham da História a visão de uma dinâmica coletiva, que continua a ser a que se justifica nas circunstâncias em que vivemos. Pessoalmente não contribuo para tal peditório...
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