segunda-feira, 2 de setembro de 2019

A facilidade com que se cria uma histeria coletiva


No início dos anos 70 do século passado Fernando Namora fez uma viagem pelos Estados Unidos da América e trouxe dessa experiência uma conclusão com que temos de concordar, mesmo passado quase meio século: é difícil encontrar um meio termo em tão gigantesco país, porque tanto se encontra o melhor como o pior, suspeitando-se que ocorram nele, em simultâneo, uma sucessão infinda de revoluções. Algumas delas profundamente retrógradas.
Um exemplo destas últimas aconteceu nos anos 50, quando muitas das características formais, que formatavam a Democracia quase ideal invocada pelos seus líderes, deram lugar a uma repressão ignóbil a pretexto da Guerra Fria.  Em Seattle, ou mais propriamente em Bellingham, um dos seus subúrbios, começaram a acontecer fenómenos inexplicados, mas caracterizados por uma incrível sucessão de casos de estilhaços nos para-brisas dos automóveis.
Durante semanas a imprensa ecoou a continuação de incidentes desse género, que motivaram as mais díspares conclusões: seria efeito de eventuais experiências soviéticas com armas nucleares? Decorreriam do prenúncio de ataque extraterrestre? Haveria explicação nos raios cósmicos? Teriam a ver com as ondas de rádio emitidas de elevada torre acabada de instalar nos arredores?
A opinião pública estava atemorizada e, incapaz de a sossegar, o mayor da cidade pediu ajuda à Casa Branca. Eisenhower, ainda há pouco empossado no cargo, reagiu dizendo ter um país para governar, não dispondo de tempo para se preocupar com uma epidemia de para-brisas estalados na costa ocidental do país. Ainda assim despachou uns cientistas da Universidade de Washington para a região e, depois de procederem a vários testes, concluíram que, nem em número, nem em gravidade, os casos analisados eram diferentes dos acontecidos normalmente numa qualquer outra cidade norte-americana. Um tipo de acidente banal fora objeto de uma campanha de imprensa, que manipulou a opinião pública de tal forma, que deu forma a uma absurda histeria coletiva.
Sessenta e cinco anos depois o caso ainda serve de matéria de estudo para os sociólogos interessados em compreenderem como funciona a psicologia de massas e dos subsequentes perigos de as verem cativadas por formas muito inquietantes de condicionamento com propósitos mais do que suspeitos.

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