Os resultados da eleição regional da Madeira remetem-me inevitavelmente para as histórias de Asterix e de Obelix ... mas em que eles estão irremediavelmente ausentes. Vejamos porquê.
A criação de Uderzo e Goscinny, que tanto gozo nos propiciaram nas últimas décadas, partiam de um pecado original: a irredutível aldeia gaulesa escusava-se a pertencer ao Império dos Césares, com isso negando a si mesma os benefícios da romanização. Na época a questão punha-se assim: quem aceitasse os valores e a cultura do invasor dava passos concretos na sua evolução histórica, vendo facilitada a qualidade de vida e o conhecimento.
Olhávamos para essas estórias com outros olhos, os da segunda metade do século XX, que nos facilitavam outra leitura: a de vermos nos dois gauleses os heróis da permanente luta anti-imperialista, que se tornava tanto mais pertinente quanto, das selvas do Vietname ao apoio a sinistros ditadores dos vários continentes, os Estados Unidos prefiguravam todos os defeitos da ambição imperial sem darem como retorno qualquer benefício.
Primeiro com Alberto João, agora com Albuquerque, os madeirenses que vêm votando no PSD, adotam essa permanente atitude de quem se diz acossado pela ameaça dos «cubanos» do Continente. Se a expressão caiu em desuso nos últimos tempos não é difícil pressenti-la no subconsciente dos dois Abracourcixes locais, porque a forma como continuam referir-se à extrema-esquerda comporta uma carga emotiva, que já nem Rio, nem Cristas conseguem assumir.
Durante anos os irredutíveis ilhéus ter-se-ão iludido com as semelhanças virtuosas da poncha com a eficiente poção de Panoramix. Mas o planeta vai rodando sobre si mesmo empurrando para diante os ventos da História e eles prometem serem-lhes tão nefastos, que até o próprio Rio não conseguiu disfarçar o alívio de, ainda por esta vez, não lhe ter calhado a desdita de ser quem tem de dar a cara por uma derrota ao fim de 43 anos.
A História ainda se repete, mas como dizem os manuais, a transitar da tragédia, que tem sido a gestão laranja, para a anunciada farsa com o líder local do CDS a pôr-se em bicos dos pés para desempenhar o papel do bardo Cacofonix.
A aldeia gaulesa, replicada nas duas ilhas madeirenses (mesmo que Porto Santo se tenha voltado a dissociar da tendência à justa maioritária!), vive os últimos dias de uma inglória resistência ao futuro, anunciado com outros valores e ideologias. Desconfio que no reportório do desafinado bardo não consta o «Ah Ça Ira», o hino da Revolução Francesa, que deu banda sonora a tanto ímpeto de progresso.
Albuquerque vê-se chefe de uma aldeia em que Astérix e Obélix não existem e muito menos a poncha contém poderes miraculosos.
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