Desde que lhe comecei a identificar as virtudes e os defeitos, sempre desejei contribuir para a mudança da sociedade. Por isso mesmo em dois terços dos sessenta anos vividos sempre militei em partidos políticos cujo objetivo final era o de se alcançar uma sociedade mais justa e igualitária, mobilizada o mais possível para os valores impostos pela Revolução Francesa de 1789: a Liberdade, a Igualdade, a Fraternidade.
Se alturas houve em que acreditei tangível o objetivo de ainda me presenciar nesse tipo de viver coletivo, noutras dele me senti demasiado afastado, situando-o num indefinido futuro utópico.
As décadas recentes têm trazido frequentemente essa consciência de o futuro não vir a ser já hoje, dado o veneno destilado pelo neoliberalismo nas mentes das maiorias. Passou-se a privilegiar a competitividade em vez da solidariedade, convertendo-se o egoísmo numa grande vantagem para quem quiser ter sucesso. Para os defensores desta perspetiva continuamos a ser os primitivos primatas apenas motivados pelos instintos. Porque até buscam legitimidade em Nietzsche, que encarava o remorso e a compaixão como obstáculos ao cumprimento do potencial de cada um. Razão para que José Saramago afirmasse ser o egoísmo a doença mortal do homem.
Para o filósofo alemão terá sido um contrassenso deixarmo-nos convencer pela tradição judaico-cristã, que sempre conotou o egoísmo com um pecado venal. Não incitava São Marcos, que amássemos tanto os outros como a nós mesmos?
Quando usam de maior argúcia tentam até utilizar em seu proveito os argumentos alheios. Por exemplo, tendo em conta os previsíveis benefícios no Além de uma conduta altruísta não seria o seu cultor um indisfarçável egoísta?
Os filósofos que fazem do egoísmo o objeto do seu estudo acabam por dividir-se em dois campos antagónicos: há os que veem o narcisismo como uma característica essencial em cada um de nós por facilitar a criatividade e a relação positiva consigo mesmo, forma indispensável de ver facilitado o relacionamento com os outros. E há os que verberam o narcisismo coletivo, que é exemplarmente representado pela sociedade norte-americana, causa da solidão deprimida de muitos e de tantos problemas sociais a ela ligados.
Estaríamos assim fadados a esquecer a empatia como característica imprescindível para garantirmos a sobrevivência? Ou deveríamos seguir os conselhos do autor de «E Assim Falava Zaratustra», que incentivava a astúcia do egoísta em colocar-se na pele de outrem para melhor compreender a sua essência, elaborando a partir dela a melhor estratégia para a utilizar em seu exclusivo proveito?
O desequilíbrio entre os benefícios dos egoístas em relação aos altruístas manter-se-á, ou agravar-se-á enquanto persistirmos numa sociedade acriticamente normalizada na aceitação da exploração do homem pelo homem? A inflexão dessa inevitabilidade só pode ser conseguida num outro quadro político, que ostracize demagogos e arrivistas em proveito dos que vejam o exercício de cargos públicos como um dever ético na concretização de políticas passíveis de nos reaproximarem dos tais valores associados à Tomada da Bastilha. O que implica acreditar mais na entreajuda, na solidariedade do que no esforço individualista para colocar a cabeça uns centímetros acima dos demais.
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