1. As direitas andam ansiosas por mudar os sistemas eleitorais, agora que ficou demonstrada a possibilidade de se escapar ao fatal e defunto «arco da governação».
Semanas atrás Luís Montenegro veio com a ideia de se premiar com 50 deputados adicionais a força política que conseguisse ter mais votos nas legislativas. Compreende-se a esperteza saloia: com esse artifício o primeiro-ministro atual seria Passos Coelho em vez de António Costa. Ademais, como é mais fácil a formação de listas conjuntas do PSD e do CDS do que as dos partidos das esquerdas, em situações futuras seriam as direitas a terem maiores hipóteses de se perenizarem no poder.
Agora surgiu um antigo reitor da Universidade Católica a pretender o mesmo objetivo por outras vias, com falsa aparência de serem mais inteligentes, e por isso mesmo com acrescida perigosidade.
Manuel Braga da Cruz quer dividir o Parlamento em duas Câmaras com um argumento tolo: por ser tradição. Como se esse fosse motivo para alterar substancialmente os equilíbrios estabelecidos pela atual Constituição.
Invoca igualmente o suposto afastamento dos cidadãos em relação à política, mas constitui a essa luz um contrassenso que o Presidente da Republica deixasse de resultar do voto direto dos eleitores, e que governo e parlamento não se sujeitassem à possibilidade de serem dissolvidos.
Ele gostaria de acabar com a representação das forças políticas mais pequenas, estabelecendo um patamar de 3% como mínimo para garantir presença parlamentar. O que teria impedido o Bloco de ter deputados em 1999 e calaria o PAN da atual Assembleia.
E, reclamando contra os partidos, que consideraria albergue de gente pouco qualificada, pretenderia pessoalizar os votos em círculos uninominais - coisa esdrúxula, pasto dos mais ignóbeis caciquismos! - considerando bastar à Democracia a válvula de escape traduzida na colocação de um voto em urna de quatro em quatro anos.
Todas as propostas de Braga da Cruz só merecem um destino, o caixote do lixo, mas sinalizam a preocupação das direitas em encontrar formas de voltar a ganhar o pote mesmo que em truques de secretaria. Importa estar atento a essas insidiosas tentativas…
2. Torna-se cada vez mais evidente a vantagem de deixar Donald Trump ir corroendo a sua base social de apoio do que ansiar pela sua rápida impugnação. As trapalhadas quase diárias têm tido uma dimensão tão grotesca, que será lícita a esperança numa inversão significativa das relações de forças no Senado e na Câmara dos Representantes nas eleições intercalares do próximo ano.
Pode ser um risco calculado tendo em conta o ameaçador poder destrutivo de uma fera consecutivamente alvejada, mas ainda com capacidade para causar danos, seja sob a forma de bombardeamentos inesperados, seja na de decisões lesivas dos interesses coletivos, quer económicos, quer ambientais. Mas, se contidos os efeitos mais nefastos, quão útil poderá revelar-se este introito para tornar os eleitorados mais prudentes em relação às manipulações com que os demagogos os tentam arregimentar.
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