Se nos fosse dado a escolher entre um dos mais mortíferos cancros e uma insuportável dor de dentes, claro que preferiríamos não ter nenhuma. Porém, coagidos a optar, todos nós, sensatamente, nos inclinaríamos para a segunda hipótese.
Foi a comparação que fiz enquanto vi a segunda metade do longo debate entre Marine Le Pen e Emmanuel Macron.
É claro que o ex-especulador do Banco Rothschild merece bem o epíteto de representante da extrema-finança com que foi apodado pelos apoiantes de Mélanchon. Não será o seu programa a infletir a curva descendente da França na relação de forças das economias europeias, quanto mais mundiais, nem com ele será crível uma melhoria significativa na qualidade de vida dos seus compatriotas. Mas Marine Le Pen é o fascismo em estado puro, mesmo que recauchutado para os imperativos mediáticos do nosso tempo. Toda ela é preconceito, é ódio, é ameaça e são tais características do seu discurso que tanto calafrio causa em quem a ouve.
É claro que, na minha perspetiva, Macron ganhou o debate sem margem para dúvidas. Mas qual terá sido a reação dos nove milhões, que nela votaram na primeira volta e querem endeusá-la como salvadora das suas fobias e frustrações?
Vivemos num tempo em que o normal é a subsistência, senão mesmo supremacia, do que outrora era marginalizado como discurso desviante.
Mantenho a confiança em como, no domingo, Macron ganhará com mais de 20 pontos de avanço, mas, logo na segunda-feira, os socialistas franceses em particular, e os democratas em geral, têm de olhar para o futuro muito para além das legislativas de julho. Deverão reinventar-se, identificando as causas para uma tão elevada votação em propostas fascistas, neutralizando-as com a eficaz atração para a normalidade liberal, preferencialmente progressista, dos que delas se afastaram.
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