Ausente da atividade bloguista durante um par de dias, alguns dos textos mais recentes mereceram comentários incisivos de alguns leitores, que justificam que a eles reaja.
Um deles vem assinado pelo realizador Edgar Pêra, de quem muito tenho admirado a obra e o seu admirável cometimento de já contar com mais de quarenta títulos na filmografia apesar de quase todos eles condicionados por orçamentos mais do que exíguos. Por isso ele tem sido o melhor exemplo, que encontro para demonstrar como a imaginação e o talento conseguem contornar os obstáculos mais intimidantes.
«O Barão», por exemplo, foi dos melhores filmes de produção nacional dos últimos anos, mesclando em simultâneo o universo do romance de Branquinho da Fonseca com o dos filmes de terror, tendo o conde da Transilvânia como óbvia inspiração.
Compreende-se que andando a revisitar algumas das obras de Pêra - sobre as quais aqui anotarei algumas impressões nas próximas semanas - não me surpreendesse com aquele que, até agora, mais ambíguo me parecera: «A Arquitectura de Peso». A razão invocada era uma certa interpretação populista do investimento em infraestruturas relevantes (CCB, Expo 98, Estádios de Futebol e Casa da Música) facultada por um cantor popular, cujo vernáculo era o do lúmpen incapaz de perspetivar o impacto que esse tipo de obras poderia ter significado para o crescimento da economia e para a redução do desemprego no país nesses idos pré-troika.
O meu texto refletia o quanto me desagradam os discursos dos demagogos que, nessa época, subscreviam os propósitos de Nel Monteiro, e agora reciclam os intentos em coisas igualmente execrandas como as proferidas pelos Tinos de Rans, pelos Paulos Morais, pelos Henriques Netos e outros figurões, que aspiraram chegar a lugares do poder a cavalo dos mais fáceis de por eles manipular.
O comentário de Edgar Pêra é muito elegante situando as circunstâncias em que o filme fora realizado, e que podem explicar a ambiguidade que me confundira. Eis então o texto do realizador:
“Nunca respondo a críticas dos meus filmes, mas este post parece-me particularmente útil dado que lança o debate sobre um tema que explorei em Arquitectura de Peso. O filme foi uma encomenda da Trienal de Arquitectura e na altura da estreia do filme, em 2007 (pré-crise) esperava que surgisse alguma polémica quando dei “tempo de antena” a Nel Monteiro e a sua canção Puta Vida Merda Cagalhóes, - um vox populi musical sobre os grandes investimentos arquitectónicos dos últimos 25 anos, todos eles geridos pelo bloco central, simbolizado no filme por Soares e Cavaco projectados sobre as paredes do CCB. Nada. Talvez porque a crise só surgiria um ano depois...
É verdade que fiz uma leitura irónica do texto de Nel Monteiro sobre o “despesismo público”, mas ao mesmo tempo, fui revelando, através de uma entrevista, o seu passado e os seus pontos de vista, porque não queria que o seu ponto de vista fosse alvo de chacota. Penso que, mesmo que não se concorde com os seus pontos de vista estéticos e políticos (apesar de que, quando se trata dos estádios do Euro 2004 estou de acordo com Monteiro, abrindo uma excepção para o estádio de Braga) não podemos ignorar as vozes que se levantam contra a forma como se gerem os dinheiros públicos - ignorando os mais desfavorecidos. Não acredito que os argumentos de Nel Monteiro sejam idiotas. Tendo em conta o nível de educação do povo português (e de outros países mais “evoluídos”), são mais do que expectáveis. Cabe aos outros, mais informados - e em busca de uma alternativa mais justa - oferecer outros modelos de investimento público. Penso que o filme exige um resposta, mas não é o seu autor que a tem de dar. Raramente faço filmes com um único ponto de vista e este não é uma excepção. Uma das vantagens de Arquitectura de Peso não ser um filme de propaganda (também já os fiz) é a de poder conter dentro de si contradições e ambiguidades (estéticamente a imagem diz o contrário do som,), que permitem ao espectador discorrer sobre os temas do filme. Sinto que isso aconteceu (dez anos depois!) com este post, que lança o debate. Finalmente o filme já não me pertence. Obrigado. Assinado: Edgar Pêra.
É verdade que fiz uma leitura irónica do texto de Nel Monteiro sobre o “despesismo público”, mas ao mesmo tempo, fui revelando, através de uma entrevista, o seu passado e os seus pontos de vista, porque não queria que o seu ponto de vista fosse alvo de chacota. Penso que, mesmo que não se concorde com os seus pontos de vista estéticos e políticos (apesar de que, quando se trata dos estádios do Euro 2004 estou de acordo com Monteiro, abrindo uma excepção para o estádio de Braga) não podemos ignorar as vozes que se levantam contra a forma como se gerem os dinheiros públicos - ignorando os mais desfavorecidos. Não acredito que os argumentos de Nel Monteiro sejam idiotas. Tendo em conta o nível de educação do povo português (e de outros países mais “evoluídos”), são mais do que expectáveis. Cabe aos outros, mais informados - e em busca de uma alternativa mais justa - oferecer outros modelos de investimento público. Penso que o filme exige um resposta, mas não é o seu autor que a tem de dar. Raramente faço filmes com um único ponto de vista e este não é uma excepção. Uma das vantagens de Arquitectura de Peso não ser um filme de propaganda (também já os fiz) é a de poder conter dentro de si contradições e ambiguidades (estéticamente a imagem diz o contrário do som,), que permitem ao espectador discorrer sobre os temas do filme. Sinto que isso aconteceu (dez anos depois!) com este post, que lança o debate. Finalmente o filme já não me pertence. Obrigado. Assinado: Edgar Pêra.
(PS: na realidade só me arrependeria de uma piada do filme, mas não tem nada a ver com o discurso do Nel Monteiro, foi apenas o revelar de um “tesouro deprimente” da televisão estatal: uma entrevista a um dos responsáveis da Casa da Música, que, aliás, não teve absolutamente culpa nenhuma da situação ridícula em que o colocaram, mas não resisti a mostrar até que ponto os media podem ser acéfalos....)
No fundo as questões aqui levantadas levam-me a corroborar o que venho sentindo há muito tempo: as esquerdas têm acumulado sucessivas derrotas, porque não só se alheiam das aspirações dos que deveriam representar, como nada fazem para lhes irem ao encontro e conseguirem interagir com dois objetivos fundamentais: retirar espaço e desmascarar o oportunismo dos demagogos e demonstrar como as soluções por si propostas são as melhores para garantirem um futuro mais esperançoso, mesmo para os que continuam vergados pelas frustrações dos becos sem saída em que se sentem socialmente bloqueados.
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