A estória é contada pelo Gonçalo M. Tavares numa entrevista sobre o seu mais recente romance: à noite, quando ocorre um corte na eletricidade, começamos por sentir-lhe a estranheza. Estamos tão habituados às nossas rotinas, que a privação de um programa na televisão ou da iluminação necessária para nos pormos a ler um bom livro, incomoda-nos, ficamos sem sabermos o que fazer.
No entanto, se se prolonga começamos a habituar-nos a ela, a perceber que temos ao lado com quem conversar numa disponibilidade há muito perdida por causa dos nossos afazeres. E até concluímos que existe encanto nessa alternativa, que consideráramos dispensável.
O desafio lançado pelo escritor é este: conviria que saíssemos dos nossos padrões de pensamento habituais e testássemos outros, porventura desafiantes, mas passíveis de descobertas, de outras sensações. É a velha questão de pensar fora da caixa, rejeitar o instinto dos carneiros enfileirados para o redil, a tentação de não bater palmas a quem se é instado a fazê-lo, desconfiando das razões das maiorias.
Somos bombardeados continuamente com ideias-feitas, que levam demasiado tempo a desmascarar. Quando os suspeitos do costume quiseram privatizar todas as empresas nacionalizadas, porque sabiam delas vir a ganhar obscenos lucros, andaram a convencer a tal maioria de que os gestores privados eram mais competentes e os serviços básicos doravante facultados seriam mais baratos e com maior qualidade. Ao mandarem vir a troika conseguiram inculcar em muitos a ideia de terem vivido acima das suas possibilidades e que deveriam priorizar o pagamento aos credores, mesmo à custa da própria sobrevivência. Apesar de todas as evidências em contrário - mas cujo escândalo nunca chega ao nosso universo mediático! - ainda há quem acredite que, por exemplo na Alemanha, as obras são todas concluídas no prazo previsto e pelo valor previamente orçamentado.
E muito fácil manipular as maiorias para que acreditem no que contra elas logo se vira tão só deem o poder a quem as trapaceou. Trump ou o Brexit são exemplos recentes dessa quase lei social. Mas toda a História dos povos tem sido pródiga nessa sucessão de equívocos que os explorados nunca chegam a traduzir em consistentes lições para o futuro. E o grande problema colocado às esquerdas é o de perderem demasiado tempo e energias a digladiarem-se em estéreis disputas, dando azo a verem-se quase sempre derrotadas pela convergência das direitas. O que custou para que, entre nós, concluíssem quanto às vantagens dos mínimos denominadores comuns e transformassem um país desesperançado num outro, bem mais otimista, que até acredita ter futuro.
Importa que essa convergência não esmoreça, não se deteriore. Porque, desdizendo o costume, as esquerdas adotaram postura contrária à que nos tinham habituado. E por uma vez dá vontade de bater palmas a esta esperançosa maioria...
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