Deveria ser uma evidência, mas pelos vistos não é: quando alguém se define a si mesmo como socialista isso implicaria ter-se incompatibilidade ideológica com o capitalismo. A não ser assim imita-se Passos Coelho, que ostenta a bandeirinha na lapela, mas teve, e tem, recorrente prática política antipatriótica e antinacional.
Vem isto a propósito do entusiasmo manifestado em artigos de opinião por duas socialistas a respeito da conferência de hoje, dada por Robert Reich no ISCTE em que está prometida a abordagem da relação causa-efeito entre a agudização das desigualdades e o sucesso eleitoral de Donald Trump.
Quer Ana Catarina Mendes (no «JN»), quer Maria Lurdes Rodrigues (no «DN»), revelaram a concordância com os principais pressupostos do referido professor de Princeton, implicitamente defendendo a necessidade de salvar o capitalismo. A segunda até conclui o seu texto com a falácia de associar o florescimento da democracia às economias de mercado, como se a liberdade dos patrões não coincidisse cada vez com a opressão de quem eles exploram, e mesmo a humilhação dos que eles empurram para as margens da precariedade e do desemprego. Por isso diz almejar uma profunda reforma do capitalismo “para que o seu desenvolvimento beneficie a maioria e não apenas os mais poderosos.”
Quer a secretária-geral adjunta do meu partido, quer a antiga ministra da Educação lembram-me aqueles náufragos que, em vez de embarcarem nos salva-vidas, esgotam as forças a tentarem tapar o rombo por onde a água vai afundando mais e mais o navio.
É a ilusão dos que se dizem sociais-democratas e ainda sonham com as irrepetíveis experiências do modelo nórdico entre o pós-guerra e os anos setenta. Ignorando ostensivamente um facto de que nem sequer pretendem ouvir falar: a presença do Estado na economia era então significativa, senão mesmo maioritária, impedindo o patronato de se assumir na força exagerada com que hoje desequilibram o prato da balança de quase todas as decisões políticas, económicas e judiciais a seu favor.
Serão as duas socialistas ingénuas ou acreditam piamente em como volte a ser possível, politicamente, impor limites á apropriação e privatização de bens públicos ou à exploração de patentes, como defende Reich?
Vejam-se as dificuldades do governo socialista em limitar os subsídios às escolas privadas para logo se armar uma guerra de enorme dimensão, que não foi nada fácil vencer. Ainda que os argumentos em defesa de tal política fossem de límpida clareza e irrefutável racionalidade.
Como poderiam os governos contrariar a obscena concentração de capital em monopólios transnacionais, que usam e abusam do seu poder para derrubar governos, promover quem sirva de marionetes dos seus interesses e ocupam todo o espaço mediático com mensagens explicitas ou subliminares tendentes a acentuar os preconceitos e as «certezas», que melhor sirvam os seus interesses?
E, continuando a seguir a cartilha de Reich para reformar o irreformável, como convencer os patrões a acederem aos instrumentos da contratação coletiva e ao fortalecimento dos sindicatos? Se até o atual governo, mesmo com as pressões dos seus parceiros na maioria parlamentar, recusou a possibilidade de pôr termo à indecente caducidade dos contratos, pondo os representantes dos trabalhadores em delicada posição negocial por não poderem partir de uma base de reconhecimento dos direitos adquiridos.
E, finalmente, só mentes ainda mais dadas às utopias do que eu mesmo é que podem acreditar que os patrões, grandes ou pequenos, aceitariam de bom grado políticas distributivas e fiscais, que lhes minguassem os lucros.
Pese embora toda a inaptidão de Nicolas Maduro ou de Dilma Rousseff para concretizarem os programas que tinham em mente, os golpes já concretizados, ou por concretizar no quintal das traseiras dos EUA (e com a CIA por certo bastante ativa!), mostram bem como o patronato é capaz de todos boicotes, sabotagens e subornos para pôr fim a regimes, que procurem recuperar um mínimo de justiça social.
Não! O capitalismo não pode nem deve ser salvo. Ele evolui para o seu definitivo estertor em que não terá mais mercados para conquistar, nem consumidores que lhe possam garantir o crescimento, que constitui a sua identidade. Ele é um touro, que entrou na arena no auge da sua força, mas a que as farpas vão esgotando até desfalecer, exangue, na arena.
Que não será bonito de se ver estamos a comprová-lo: Donald Trump , Erdogan ou Orban mais não são do que desesperadas tentativas de fazer recuar o tempo para as soluções engendradas nos anos 20 e 30 do século passado e que os portugueses tiveram de suportar até 1974. Mas quem cré que a salvação reside noutro modelo mais do que ultrapassado e para o qual já não se encontram as condições macroeconómicas que as tornaram possíveis durante um breve ciclo de trinta anos nos mais desenvolvidos países ocidentais, está a enganar-se a si mesmo.
Pode mudar o nome ao partido, como o fizeram os italianos ou pretendiam Manuel Valls ou François Hollande, mas já não estão intimamente associados ao que impõe o socialismo. Que, como Marx previu, só poderá advir como evolução natural do definitivo esgotamento da receita capitalista.
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