terça-feira, 8 de novembro de 2016

Estaremos condenados a um regime pós-democrático?

Estaremos a assistir à subtil instalação de um novo regime político, pós-democrático,  a que alguns chamam «governança»? Esta é a hipótese colocada por Anne-Cécile Robert no artigo intitulado «A Arte de ignorar o povo», inserido na edição do «Le Monde Diplomatique» do mês passado.
Fazendo eco do que vem dizendo muita gente, e elucidativamente demonstrado no comportamento das instituições europeias para com os gregos, a União está a deslegitimar a Democracia ao considerar o povo como apenas uma das fontes da autoridade dos poderes públicos, entrando em concorrência desigual com outros atores a quem é dada maior relevância: os mercados, os peritos e a «sociedade civil».
Entre nós o chamado Conselho da Concertação Social anda a ser promovido como um bom exemplo de como essa «sociedade civil» pode desvirtuar totalmente a vontade da maioria dos cidadãos. Embora a maior parte de nós já tenha atirado para o caixote do lixo a memória do anterior inquilino do palácio de Belém, ainda é possível recordar a importância por ele conferida aos «parceiros sociais» aí «ouvidos« pelo governo e cujos entendimentos considerava quase questão de sobrevivência nacional.
Nesse Conselho, cuja justificação não se encontra e onde as direitas tentaram aumentar a representação patronal com um número crescente de suas organizações ditas representativas, que teriam nele cabimento acaso Passos Coelho tivesse permanecido primeiro-ministro, a representação sindical pouco pode contrariar o discurso dominante contra o fator trabalho, se dele o governo não se fizer provedor providencial como tem sucedido com este governo. Porque, caso contrário, continuaríamos a ter a UGT a caucionar tudo quanto os patrões quisessem aprovar para reduzir os salários ao mínimo e flexibilizar as leis laborais ao máximo (lá chegaríamos a apenas uma com o artigo único que estipulasse ao trabalhador como único direito o de trabalhar e de se calar quanto às condições a que estaria sujeito!) e a CGTP a fazer violentos discursos cá fora, mas sem qualquer efeito prático nos que supostamente representa.
Anne-Cécile tem razão quando diz que “a sociedade civil não se baseia, de facto, em nenhum critério de representatividade ou de legitimidade. Proteiforme, ela é também o reino da desigualdade, uma vez que os seus atores dispõem de meios extremamente variáveis, consoante os interesses que defendem”.
Mas essa sociedade civil, que se pretende substituir ao critério democrático do «um homem, um voto», também passa pelos “frenéticos de todas as causas, difundidos pelas redes sociais e por meios de comunicação sociais pouco atentos, cuja pretensa representatividade é muitas vezes medida por sondagens (e não por eleições).”
O povo, que se exprime eleitoralmente, passa a ser um conceito menosprezado por essa tal governança, conceito anglo-saxónico surgido de braço dado com o neoliberalismo, e fundamentado na exigência de menos Estado, mais mercado e «boa gestão».
É por isso mesmo que, mesmo na forma perversa como surgiu, com gente nada recomendável a apoiá-lo, o Brexit constituiu um abanão nessa experiência em curso no laboratório europeu. Porque, contra os peritos e os supostos líderes da sociedade civil, o povo trocou as voltas a quem lhe quereria sonegar a soberania decisória.
Escrevendo direito por linhas tortas, essa decisão britânica poderá ser o primeiro sinal do redespertar do povo europeu contra quem o quer aperrear em abúlico colete perante todas as malfeitorias praticadas nas suas costas. 
Magritte 

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