A resposta do Banco Central Europeu à estagflação europeia, foi inundar os mercados financeiros com liquidez a taxas próximas do zero na esperança de ver a banca privada emprestar dinheiro a baixo preço a Estados e particulares. Facilitar-se-ia o crescimento do consumo e do investimento produtivo, conseguindo-se assim devolver as economias ao almejado salto em frente.
Os resultados foram outros, constata Pedro Bingre do Amaral no artigo, que temos vindo aqui a abordar («Trocando juros por rendas: o regresso do patrimonialismo», Le Monde Diplomatique, outubro de 2016): “a banca privada não passou a facilitar o crédito aos empreendedores, o consumo a crédito não retomou o vigor esperado, os mercados bolsistas não voltaram a oferecer retornos de capital atraentes - e a inflação manteve-se próxima do zero, pontualmente atingindo valores negativos e tornando-se, portanto, deflação.”
As circunstâncias atuais constituem uma originalidade constatada nos últimos cinco mil anos de História humana, deixando os economistas algo desconcertados quanto às soluções a providenciarem. Ora, enquanto uns teimam em seguir a receita austeritária que nos trouxe até aqui, na expetativa de um milagre inexplicável, são cada vez mais os apostados no receituário neo-keynesiano assente no intervencionismo do Estado na economia. Trata-se de substituir a “mão invisível” dos mercados, tão adorada pelos neoliberais, por algo tão por eles execrado como constituindo um receituário socialista.
Pedro Bingre Amaral não se arrisca por essa via, mas identifica como foi possível aparentar a bondade dessa “mão invisível” antes da crise de 2007: “Nos anos precedentes à crise financeira daquele ano, o investimento resultava do endividamento hipotecário a longo prazo de assalariados, os quais usavam o crédito para adquirir habitações modestas (preço inferior a 2000 euros por metro quadrado) na sua maioria recém-construídas - alimentando desse modo uma bolha de construção que, enquanto durou, criou efemeramente um grande número de postos de trabalho e imprimiu um efeito multiplicador no produto interno bruto”.
Esse cenário é irrepetível e nega fundamento a quem ainda acredita em soluções social-democratas para resolver a crise: estas só seriam possíveis num contexto de lucros significativos, impossibilitados pelo ambiente ultracompetitivo da globalização, que esmagou custos e retorno dos investimentos.
Depois de três séculos de vigoroso crescimento a Europa estagna e até ameaça retroceder m direitos e rendimentos de quem trabalha. A não serem alteradas as estratégias ditadas atualmente por Bruxelas chegaremos a um cenário em que “o nível de riqueza de cada cidadão passará a depender apenas da fortuna herdada sob a forma de imobiliário e menos de capital”.
Ora as remunerações propiciadas por empregos mal pagos e precários tenderão a inibir o acesso à propriedade como acontecera com a geração anterior. O autor do artigo prevê que, então, o capitalista dará lugar ao rentista, e a divisão societal mais profunda passará a ser a que separará senhorios de inquilinos, arrendadores de arrendatários, cada um dos quais posto nessa condição segundo a herança que recebeu dos seus progenitores sob a forma de património imobiliário.”
Será, pois, uma espécie de distopia em que a sociedade do futuro tende a regressar à do passado pré-industrial, quando a riqueza era distribuída de acordo comas rendas do património.
Sobra alguma dúvida, que temos de envidar esforços para que tal cenário não se cumpra?
Lily Furedi
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