O vendaval Trump continua a justificar reportagens e debates televisivos destinados a explicar o fenómeno, que quase todos menosprezavam como improvável. Quanto aos comentadores, que se multiplicam nos estúdios televisivos, pouco mais fazem do que repetirem ladainhas sem grande originalidade. A ideia que dão é a de emitirem bitaites sobre algo de esdrúxulo, incompreensível para os modelos de pensamento em que formataram as suas cabeças. Mais interessantes são os programas feitos do contacto direto com quem votou em Trump e explica por que o fez.
No «Arte Reportage», programa semanal de um canal franco-alemão, mostraram-se diversas peças registadas antes das eleições e todas elas apontavam para aquilo que não se queria ver: zonas operárias, anteriormente maioritárias no voto democrata, que se converteram em bastiões republicanos tão só as fábricas começaram a fechar e a trazer uma realidade feita de desemprego e de miséria. Regiões interiores onde as pessoas não possuíam sequer meios para contratar os seguros do Obamacare e onde a extração de dentes ou outros cuidados primários de saúde são satisfeitos por voluntários organizados em ONG’s. Indignação de quem sente o sonho americano transformado em pesadelo e por isso rejeita que se deem apoios a refugiados em vez deles serem distribuídos a quem precisa. E até mesmo sítios onde o apoio aos democratas não era posto em causa, mas a quem a direção da campanha de Hillary não providenciou qualquer orientação ou material e apoio.
Se a todas essas situações complementarmos o peso crescente das igrejas evangélicas e das rádios locais com elas coligadas, estavam garantidas as condições para o inimaginável. Porque a sua mensagem era tão maniqueísta, quanto de compreensão imediata: se nos anos 50 o papão eram os russos, que não tardariam a invadir as costas americanas, agora são os barbudos e as mulheres com burkas capazes de esconderem os coletes de explosivos com que ameaçam explodir com todas as vilas e cidades.
Agora o apelo de Michael Moore para impedir a investidura de Trump é um mero ato quixotesco sem consequências. Mas a solução não reside em dormir até daqui a quatro anos, para corrigir o erro, ou apanhar um foguetão para outro planeta como aventam alguns outros. Resta sim começar por denunciar de imediato a vigarice do vencedor, cuja Administração vai estar pejada dos lobistas e dos abutres de Wall Street contra quem ele dizia ir combater. E cuidar de mostrar como a vida daqueles que julgavam ver solucionados os seus problemas de sobrevivência só se tendem a agravar com as políticas desde logo implementadas a partir de janeiro.
Em vez de ser visto pelos europeus e asiáticos como uma solução para a crise do capitalismo, Trump tem de ser propagandeado como o exemplo de como a lei de Murphy continua a fazer todo o sentido: o que de pior podemos imaginar acaba por ocorrer e sempre na pior altura. A menos que saibamos atalhar a tempo as soluções para o evitar. Porque, nesse caso, resta providenciar o controle de danos subsequente ao desastre e a posterior divulgação das medidas preventivas para que ele não se repita.
John Baldessari, «Six Colorful Gags Male»
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