1. Ao ver o «Eixo do Mal» fiquei mais descansado por encontrar a explicação definitiva sobre a vitória de Trump nas eleições norte-americanas: no clip proposto por Aurélio Gomes, uma estação televisiva ligada a uma igreja evangélica enfatizava a relação causa-efeito entre a descida da curva das probabilidades de Hillary ganhar e a hora do início de uma oração em Dallas, altura em que, por “força da vontade divina”, começara a subida das do adversário até elas se encontrarem e o resultado se definir. E a apresentadora do programa expunha essa tese com tal convicção, que se se tratava de mero desempenho de atriz era merecedor de um Óscar. O mais preocupante é, porém, tecer a forte probabilidade dela estar, efetivamente a acreditar no desconchavo, que formulava.
O meu ateísmo tem muito a ver com a interpretação racional do mundo que me cerca para nele não encontrar a mínima possibilidade da existência de uma qualquer forma de um deus transcendente. Torna-se ainda mais veemente na repulsa por esses falsos deuses o servirem de pretextos para, à sua pala, se terem cometido tantos crimes (vide a Inquisição) e eles prosseguirem sem haver quem os consiga travar. Mas a minha antipatia pelos crédulos ainda mais se acentua, quando eles servem de ferramenta útil à eleição de gente tão indesejável como o é o novo presidente norte-americano.
2. Quando ontem aqui dizia nada encontrar nos comentários televisivos, que me surpreendesse pela capacidade de saírem dos habituais lugares-comuns ainda não ouvira Daniel Oliveira, que defendeu uma tese pertinente e incontestável quanto ao grande acontecimento da semana: Trump funciona como uma válvula de escape do sistema, cuja crise suscitou tal revolta coletiva, que tinha de ser encontrada forma de suscitar uma catarse momentaneamente libertadora.
Hillary pôs-se, assim, a jeito para ser o objeto de todos os ódios devido às suas comprometedoras ligações a esse execrado sistema. Mas o paradoxo é que, para fustigarem esse sistema (capitalista), o eleitorado puniu quem dele era mera serventuária e premiou quem mais não é do que a sua mais óbvia emanação.
3. Neste dia em que passa um ano sobre os atentados do Bataclan, também é de entender o papel fundamental, que os terroristas islâmicos têm desempenhado na defesa desse sistema ao proporcionarem o crescimento dos movimentos fascistas.
Uma vez mais é a conjugação do ódio religioso com os interesses de preservação desse mesmo sistema que, posto em causa na globalização em que alcançou a sua máxima expansão dentro da lógica de crescer ou morrer, encontra provisória alternativa no regresso ao passado, recorrendo aos nacionalismos para impedir que a agudização da luta de classes ponha em causa o que mais teme: a questão da propriedades dos meios de produção.
Por isso mesmo as esquerdas europeias deveriam lançar uma campanha a ligar as marines le pens e os farages aos daeshs e às al quedas, porque, em vez de serem faces opostas, uns e outros complementam-se no mesmo lado da moeda.
Jackson Pollock,«Mural», 1943
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