Nos últimos dois dias tenho frequentado espaços muito diversos e encarado com quem me pergunta sobre o que acho da eleição de Trump.
Não é que me reconheçam dotes especiais de adivinho, justificativos de respostas definitivas sobre o que se seguirá. Aliás, estando alguns a verem-me pela primeira vez, não é difícil conjeturar na possibilidade de andarem a fazer essa pergunta a todos com quem se cruzam. Porque todas essas perguntas têm a ver com o medo de um futuro imprevisível capaz de pôr em xeque o ainda limitado capital de esperança aberto pelo governo de maioria parlamentar e que o anterior sonegara por inteiro.
Confesso que me sinto algo pessoano com esta nova situação, que me remete para a frase publicitária sobre a coca-cola: se começamos por estranhar Trump, ele acabará por se entranhar na normalidade dos nossos dias. Porque, na realidade, será ele muito diferente de Ronald Reagan ou de George W. Bush, quando é classificado como o presidente mais impreparado da História norte-americana? Quem esqueceu a incredulidade por o mais lerdo representante da família Bush ter conseguido vencer (mesmo que à conta da batota no escrutínio da Flórida!) o brilhante Al Gore?
Ademais, se o temor pela instabilidade dos mercados de capitais levar Janet Yellen na Reserva Federal a travar a projetada subida dos juros, que outra alternativa restará a Draghi senão prosseguir a compra de dívidas dos diversos Estados europeus, nomeadamente a Portugal, que havia sinais de estar prestes a ser entregue à sua sorte?
Quer isto dizer que, com o respaldo garantido do Banco Central Europeu, António Costa poderá ter esta janela de oportunidade para alavancar a economia sem os riscos de uma desqualificação por parte da única agência de rating, que nos garante o seu indispensável financiamento. E se Putin conseguir o seu segundo Ialta com Trump, talvez a Europa abandone a atual estratégia de confronto sistemático com a Rússia abandonando as sanções, que tantos prejuízos causaram ao nosso setor exportador.
Voltando, pois, ao início, talvez a eleição de Trump seja um daqueles exemplos em que há males, que vêm por bem. Tanto mais que estas ameaças populistas de pôr em causa as formas políticas tradicionais, talvez levem as esquerdas a olhar melhor para o modelo avançado por Bernie Sanders, quase capaz de lhe ter assegurado a nomeação democrata e as apliquem lestamente para evitar que os mais frágeis estratos do eleitorado sintam-se tentados a pretender para ontem o que, consistentemente, só será possível de concretizar amanhã.
Para concluir uma palavra ainda para os que se indignam com a estupidez dos americanos ao terem eleito democraticamente tão alarve criatura. Será bom que olhem para si mesmos e equacionem o terem assegurado as eleições de Cavaco Silva por cinco vezes - três para primeiro-ministro e duas para Presidente da República - e de Passos Coelho em 2011. Assim como convirá que vejam o patético show off de Marcelo Rebelo de Sousa no Cova da Moura e se interroguem se aquele não é o grau mais despudorado de populismo. Talvez sejamos mais trumpianos do que andamos a querer admitir...
John Martin, The Great Day of His Wrath, c. 1853
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