Isto de andar há seis décadas nesta coisa complexa e contraditória, que é a vida, permite olhar para este momento político com a descontração de saber efémeros todos os grandes fenómenos mediaticamente empolados.
Há umas semanas a vitória de Hillary parecia incontornável e até os Democratas estariam à beira de reconquistar a maioria numa das Câmaras do Capitólio. O relativo sucesso de Bernie Sanders nas primárias indiciava a possibilidade de uma viragem decisiva da política americana mais à esquerda, cessados os constrangimentos inerentes ao constante bloqueio dos Republicanos às tímidas políticas da Administração Obama em prol da diluição das gritantes desigualdades sociais.
Assistiu-se, pois, a um daqueles momentos eloquentemente associáveis à cena do «Match Point» de Woody Allen em que a bola parece um momento estacionada em cima da rede, podendo tombar para um ou outro lado, acabando por isso suceder no que nos era mais indesejável.
A vitória de François Fillon nas primárias da direita francesa vem nesse mesmo sentido: entre um candidato menos mau como era Juppé, prevaleceu um ultraconservador, que ainda vê a economia pelo filtro obsoleto dos olhos de uma Margaret Thatcher recauchutada. E angustiam-se uns quantos: que fazer se a escolha final em maio for entre Fillon e Marine Le Pen?
Apesar de Hollande e de Valls ainda estarem a fazer contas quanto a concorrerem ou não, e com Mélanchon e Macron na corrida, um à esquerda e o outro à direita do Partido Socialista, as primárias deste partido ainda poderão corresponder ao renascer da Fénix. Entre Montebourg, Hamon e mesmo Aubry, poderá sair uma candidatura tão forte e consistente como resultou na surpresa do campo contrário, onde ninguém dava uma para a caixa do vencedor e ele esmagou os adversários. Depois, perante a ameaça de uma viragem radical nos costumes para a direita, do despedimento de meio milhão de funcionários públicos e do aumento do horário do trabalho até às 48 horas não serão os quase três milhões de eleitores de Fillon, que causarão mossa num escrutínio onde comparecerão 36 ou 37 milhões se nos fiarmos nos números de 2012.
Ademais o que fez a força de Fillon nesta eleição foi o seu efeito de relativa novidade, que se estiolará nos próximos seis meses. Nesse sentido é avisada a decisão do Partido Socialista em lançar idêntico processo seletivo só para janeiro: é que se o candidato a dele sair não for nenhum dos dois principais protagonistas do fracasso socialista dos últimos quatro anos e vier a ser quem deles se possa dissociar com uma campanha demonstrativa de serem outros os caminhos de quem em tal partido se identifica, talvez a surpresa maior da política francesa não tenha sido a deste novembro, mas a que então se verificará. É que, entre Le Pen e um candidato da esquerda, ainda é crível que socialistas, comunistas, verdes, radicais de esquerda e do centro e extrema-esquerda se associem para novo momento Match Point em que a bola tombe para o lado certo.
Quem poderá então ainda falar do advento dos populismos?
Stéphanie Ho
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