Confesso que nunca tinha dado pela personalidade de Mário Centeno antes dele ser notícia, ainda durante o governo anterior, quando era o mais habilitado dos economistas do Banco de Portugal para liderar um dos seus principais departamentos e Carlos Costa impediu-o de alcançar essa função para a qual era incontestável o seu mérito e currículo.
Se fossem precisas provas em como o ainda governador do Banco de Portugal está na função para cumprir a agenda do seu partido, esta bastaria para dispensar todas as outras. Fica no passivo das decisões tomadas por José Sócrates, quando era primeiro-ministro e, para apaziguar a direita, julgou aconselhável meter um dos seu lobos num dos principais galinheiros das finanças públicas.
Depois, quando vi Mário Centeno liderar o grupo dos quinze economistas, que fizeram o estudo macroeconómico necessário para definir o programa eleitoral do PS às eleições de outubro de 2015, ainda o considerava um especialista do seu saber sem lhe adivinhar as capacidades políticas crescentemente reveladas de debate para debate: com o seu feitio, onde se adivinha a timidez, Centeno consegue ser assertivo na argumentação e sibilino na forma como reage às falácias das direitas.
A forma como iniciou o debate parlamentar sobre o Orçamento para 2017 foi disso eloquente exemplo, quando citou Camões: “A oposição está cativa de uma tabela. (…) Aquela cativa que me tem cativo, porque nela vivo já não quer que viva.”
Os versos tinham o picante de fazer a semelhança fonética entre “cativa” e “cativação” na altura em que as direitas tinham feito finca-pé pela apresentação de tabelas da execução orçamental deste ano, esperançadas de aí encontrarem matéria para foguetório em torno de eventuais verbas retidas na educação e na saúde, que lhes permitissem comprovar a falsa tese de serviços públicos comprometidos apenas pelo objetivo de chegar aos 2,5% de défice no PIB.
Por isso as direitas ficaram logo sem argumentos, quando se limitaram a gastar 22 segundos a referir essas tais tabelas, que lhes desmentiram e neutralizaram a argumentação.
Como tais números não lhes agradavam as direitas trataram de inventar outros, repetidos exaustivamente, para que ganhassem alguma aparência de verdade. Um dos exemplos mais demagógicos da tarde - prova de que existem uns quantos trumpezinhos em São Bento - foi o de João Almeida do CDS, que quis acusar as esquerdas de insensibilidade social por garantirem a um reformado com mais de sete mil euros de reforma um aumento igual ao que os pensionistas de valores mais baixos recebem num só mês. Quando se envereda por este tipo de argumentação está aberto o caminho para se chegar à falta de escrúpulos, que se vai vendo na campanha presidencial do seu émulo do outro lado do Atlântico.
Mário Centeno, cada vez mais tão bom político como economista, citara Nietzsche há mais de um ano em entrevista ao «Expresso», quando abordava o comportamento das direitas: “há homens que já nascem póstumos”. À medida que a maioria governamental se vai consolidando, orçamento após orçamento, chega-se à conclusão que José Manuel Pureza tem razão quando acaba de dizer no parlamento, que as direitas arriscam-se a deixar de ser um anexo na história contemporânea do nosso país para se converterem num mero índice remissivo.
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