Uma das personalidades francesas por quem sinto incomensurável admiração é a militante pacifista Mireille Jospin, mãe do antigo primeiro-ministro Lionel Jospin e da psicóloga Nöelle Châtelet que, um dia, mesmo sem sintomas de doença grave, decidiu já ter vivido o bastante para pôr termo à existência com a ajuda de quem o pudesse fazer. Por isso recorreu à Dignitas, empresa suíça, que possibilita a morte assistida a quem quer ser efetivo dono desse desenlace da vida.
Embora o filho a tentasse disso impedir, a corajosa senhora contou com o apoio da filha, que a acompanhou até ao seu derradeiro instante.
Desde que isso aconteceu - em 2002 - sempre defendi ser essa a melhor solução para quando ajuizar ser esse o momento de me despedir de quem tenho sido. Bastou para tal o acompanhamento de situações de Alzheimer ou de dolorosos cancros em familiares muito próximos para entender que a vida, tal qual a entendo, não perdura até ao momento em que o coração para e o cérebro deixa de ser irrigado. Existem muitas situações em que as dores são exageradas e os falaciosos cuidados paliativos só servem de alibi de boa consciência a quem quer forçar a sua aplicação. Porque a verdadeira vida, aquela usufruída com o prazer de a sentir compensadora, desaparece muito antes.
Mesmo na classe médica e de enfermagem reina grande hipocrisia a tal respeito como se verificou quando a bastonária de uma das Ordens representativas desses profissionais veio contar inocentemente uma realidade facilmente conjeturável e quase foi defenestrada na praça pública pelos fanáticos, que se sentem com direito de prolongar a vida a quem quase por certo a não pretenderia mais sofrer.
Quantos médicos e enfermeiros terão aliviado, por dever de humanidade, o doloroso fim de quem apenas sofre e para quem a morte representa o alívio definitivo?
Contra a ainda excessiva influência das religiões nos assuntos, que só têm a ver com os direitos dos cidadãos, o direito à morte assistida e à eutanásia correspondem ao salto qualitativo necessário para que as nossas sociedades se tornem mais civilizadas. Porque nunca uma sociedade será livre de facto, se impedir os seus cidadãos de disporem do seu próprio corpo!
Muito embora, aos sessenta anos, sinta estar a viver uma das épocas mais felizes da minha vida, quero ter o direito de abdicar de viver se essa alegria de despertar para cada dia terminar de uma forma que se revele irreversível. Sem ter ninguém a olhar-me com comiseração com aquelas fórmulas parvas, segundo as quais nos devemos submeter a vontades divinas e para não comprometer a “salvação” de uma alma em que não acredito. Exijo, pois, o direito a viver o meu ateísmo em todas as implicações, que esta condição significa sem me ter de sujeitar ao sentimento de quem ainda se submete aos ditames dos valores judaico-cristãos.
Reivindico, pois, o direito a morrer tão pacificamente e sem dor como se explicita na cena de «À Beira do Fim» referenciada no clip anexo a este post, sempre por mim tida como a ideal para o meu próprio fim.
É por isso mesmo que o projeto de lei agora apresentado pelo Bloco de Esquerda para legalizar “a morte assistida” (e que incluirá o suicídio assistido e a eutanásia), me saiba a pouco, apesar da concordância com a exclusão das crianças e das pessoas com problemas de saúde mental, tendo em conta os riscos de uma deriva eugenista.
Tratando-se de um primeiro passo, desejarei que, num futuro tangível para mim mesmo, ela não se limite a abreviar a morte de doentes em grande sofrimento e sem esperança de cura, possibilitando-a à escolha livre e consciente de quem nela pretenda encontrar o seu fim.
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