A notícia da antecipação do pagamento ao FMI - que é a uma das componentes mais dispendiosas da dívida total em termos de juros - retira argumentos aos que já aguçavam os dentes com a possibilidade de contraporem aos indicadores muito positivos da semana transata a notícia dela ter registado um novo record. Aquilo que aconteceu foi a sucessiva colocação de dívida no mercado a juro mais baixo para substituir a que tem um custo mais elevado. Como Centeno nos tem habituado vão-se gerindo com inteligência as finanças públicas dentro das contingências a que elas estão sujeitas.
Esta capacidade demonstrada pelo governo português para corresponder aos acordos com os parceiros parlamentares, respeitando ao mesmo tempo os compromissos europeus, não invalida o reconhecimento da necessidade de se vir a reestruturar mais tarde ou mais cedo a dívida pública. É que se, hoje, o Estado consegue ter de receitas mais 5 mil milhões de euros do que no total das suas despesas, esse superavit ainda é insuficiente para remunerar os 8 mil milhões de euros anuais que se têm de pagar aos seus credores. Daí a razão para faltar dinheiro para os tão necessários investimentos públicos.
Não se trata, pois, de algo cuja responsabilidade caiba ao atual governo, antes corresponde à pesada herança legada pelo duo Passos Coelho/ Maria Luís Albuquerque.
Num artigo excelente, publicado este mês na edição portuguesa do «Le Monde Diplomatique», a economista Eugénia Pires, atribui igualmente responsabilidade ao euro, que foi formatado para beneficiar os países do centro e norte da Europa, sangrando os recursos dos da periferia e do sul.
Apesar do Orçamento para 2017 incluir uma previsão de redução da dívida para 60% do PIB em 2046, a autora do texto «Como reestruturar a dívida pública?» atribui pouco crédito a essa perspetiva tendo em conta a extrema volatilidade dos indicadores macroeconómicos em que o ministério de Centeno se baseia. Pelo contrário receia, que se mantenha o efeito bola de neve pelo qual essa dívida prosseguirá em rota de crescente crescimento com os superavits na balança comercial a não chegarem para manter um défice nulo e pagar os juros aos credores.
Por isso ela considera que “a decisão de desviar receita fiscal para o pagamento do serviço da dívida na ausência de crescimento (…) representa um desperdício de recursos, quando o país mais deles necessita, bem como uma escolha política que, mais uma vez, reforça a primazia dada aos credores de dívida pública em detrimento dos cidadãos.” Daí conclua que “a dívida pública deve ser reestruturada também pela sua insustentabilidade económico-social.”
Nesta matéria não acredito que a equipa de Centeno discorde dos fundamentos com que, de forma mais aberta, os seus parceiros parlamentares exigem essa renegociação. A questão está em esperar pelo momento certo para, conseguidos os parceiros europeus capazes de engrossarem a mesma reivindicação, ela se torne incontornável mesmo para aqueles que nem sequer queriam disso ouvir falar.
René Bertholo, A Sombra Projetada, 1965
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