Dos jornalistas que escrevem sobre assuntos económicos, João Vieira Pereira é dos mais situados à Direita. Os seus textos não merecem grandes dúvidas sobre os valores que professa: as nacionalizações de 1975 foram desastrosas e estão na origem de todos os males do país, os sindicatos são uma espécie de associações de malfeitores e o país não terá qualquer hipótese de progresso se não der roda livre à iniciativa privada.
Mas lá vem o dia em que, mesmo nada alterando de essencial nessa cristalizadíssima visão do mundo, o referido jornalista vê-se confrontado com o que se passa no BES e é obrigado a uma visão niilista da realidade: porque as tais elites - eufemismo para designar a “burguesia” tão estigmatizada por Karl Marx - afinal nem estão dispostas a cumprirem o seu papel de empreendedoras, nem conseguem evitar o desmascaramento na praça pública pela corrupção, que guia intrinsecamente os seus negócios.
Presume-se que este aprendiz de feiticeiro do capitalismo selvagem esteja a passar por uma grave crise de identidade, quando escreve no «Expresso»: “Que elites são estas que nos governam? Elites que construíram impérios. Feitos de papel e encharcados em querosene. Elites que conviveram de braço dado com o poder, e que foram poder. Que país deixam? Um país cheio de vícios, onde empresários partilham a mesa com banqueiros, que convidam políticos, que concedem favores em troca de outros, caixas de outros. E achamos tudo normal.
É normal banqueiros receberem dinheiro via offshore e recorrerem a amnistias fiscais. É normal durante anos os reguladores e supervisores terem feito vista grossa ao que se passava. É normal que muitos soubessem o que se passava e ninguém tivesse falado. É normal que empresas de auditoria ganhem milhões para no final nada verem. É normal quando estes casos são divulgados os jornalistas serem acusados de partidários e de marionetes de jogos de interesse.
Estas são as elites que nos deveriam liderar pelo exemplo. Mas que apenas lideram na vergonha”.
O estado a que a banca em Portugal chegou com o BPN, o BPP, o Banif, o BCP e agora o BES mostra bem como, depois de terem sido os principais responsáveis internos pela crise, que assolou o país - quem não se lembra da pressão dos bancos para que os clientes assumissem novos créditos não só para a compra de casa, mas também de carros, de férias e de outros bens, que explicam o grave problema do endividamento do país por parte das suas instituições e empresas privadas? - o sistema bancário nacional atingiu o grau zero de credibilidade junto dos seus clientes. E um estarola do CDS-PP até surgiu histérico na Assembleia a vituperar o líder comunista por o julgar em vias de promover a nacionalização coerciva do setor a exemplo do que sucedeu em 1975.
Estamos, de facto, a viver um tempo interessante em que o capitalismo dá sinais de rutura por todo o lado, mas tarda em surgir a alternativa que o possa relegar definitivamente para a condição de curiosidade histórica e possibilite uma sociedade mais justa e igualitária.
Daí a importância do debate à esquerda para ultrapassar os impasses ideológicos em que ela pareceu enlear-se desde que o Muro de Berlim caiu!
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