Estamos, de facto, a viver tempos interessantes. As referências, que eram tidas como inabaláveis nos nossos dias, vão dando sinal de não resistirem a uma espécie de final de ciclo para o qual ainda se torna difícil vislumbrar os contornos do que se segue.
Temos, pois, um Banco, tão elogiado por quantos escrevem nos jornais económicos, porque seria tão sólido que dispensava os dinheiros da troika, e aí está a esboroar-se na praça pública ao som do dobre de finados para uma das famílias mais influentes de Portugal. Paradoxalmente o ainda secretário-geral do PS vai conferenciar com o presidente do Banco de Portugal a uma quarta, saindo satisfeito e «muito mais confiante» na solidez do BES e, no dia seguinte foi o que se viu. Mais um bom exemplo da lógica do «qual é a pressa?»
Pessoalmente já ando atento para ver se, à volta do meu chapéu de sol na praia da Fonte da Telha, já anda a sofisticada Cristina Espírito Santo a brincar aos pobrezinhos com ainda maior convicção do que no ano passado.
Na mesma linha de pensamento vamos assistindo aos sucessivos indicadores, que desmentem sem margem para dúvida os sinais de recuperação da economia portuguesa. As exportações e as dormidas nos hotéis estagnaram, as importações cresceram, a produção industrial desceu e, em surdina, várias vozes à Direita vão reconhecendo a impossibilidade de cumprir o défice negociado para este ano.
O milagre económico é um logro e por isso mesmo seria sensato que a ministra das Finanças tivesse apoiado a tentativa de flexibilização das regras orçamentais propostas por Matteo Renzi na mais recente reunião do Eurogrupo. É que, nem sequer o justificariam apenas os objetivos de crescimento e de criação de emprego: com esta linha dura da austeridade, passos coelho não consegue respeitar nenhum dos compromissos que estabelece com a Comissão Europeia e com a senhora merkel.
A exemplo de Ricardo Salgado, o primeiro-ministro terá pensado que os acontecimentos viriam ao encontro dos seus desejos. É que os livros de autoajuda, com que se terá comprazido antes de atirar os portugueses para o abismo com a rejeição do PEC4, falam sempre de um «pensamento positivo»!
À sua custa - mas sobretudo à dos bolsos esvaziados dos portugueses - passos coelho e os seus principais apoiantes vão descobrindo que, como o volume de austeridade se mantém, a procura continuará estagnada. E com ela toda a Economia.
Os epígonos de vítor gaspar não têm abertura de pensamento bastante para reconhecer a única solução possível para os problemas por que passam as economias do sul da Europa: uma politica de estímulo orçamental coordenada à escala europeia.
Só assim se poderá criar a procura necessária para que as empresas encontrem o que tanto carecem: quem lhes compre o que possam produzir.
Nesta altura, como escreveu João Galamba no «Expresso» de 14/7, “os trabalhadores não trabalham mais porque não há emprego e os empresários não contratam mais porque não tem expectativas de vendas que o justifique.”
Temos, pois, um dogma económico que bloqueia todas as verdadeiras soluções. Mas, por quanto tempo resistirá esse dogma à sucessiva comprovação da sua falsidade?
No tempo da Renascença era possível que a verdade mais ousada demorasse séculos a ser reconhecida: assim sucedeu com Galileu. Mas, na época das tecnologias de informação, por quanto tempo conseguirão resistir as mistificações em que assenta o essencial da ideologia neoliberal do nosso tempo?
Para o tal novo ciclo, que ainda não se vislumbra, podemos recorrer aos versos de José Régio no «Cântico Negro»:
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
- Sei que não vou por aí!
E o «por aí» é fácil de identificar: o deste fanatismo austeritário, que ainda tanto mal anda a causar!
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