Uma das grandes preocupações da direita portuguesa sempre foi retirar do Estado tudo quanto pudesse gerar lucro e beneficiasse assim os interesses privados. Por isso o seu projeto ideológico passou por reprivatizar os bancos logo após o PREC de 1975.
Quem estava por trás desse processo de reconstrução da antiga estrutura económica do país sabia fundamentais essas instituições, que assegurariam os futuros ataques às demais empresas do setor empresarial do Estado. Foi assim, começando nesses bancos que, pouco a pouco, se foram apossando de todos os setores passíveis de garantirem lucros fáceis, mesmo que constituíssem empresas estruturantes de toda a economia, como sucedia com a EDP ou a REN.
E se, numa primeira fase, quem lucrava com essas mais valias eram capitalistas portugueses que poderiam alimentar a ilusão de reinvestirem na economia uma boa parte desses lucros, fomos assistindo cada vez mais à demonstração contrária.
Hoje pagamos a conta da eletricidade a chineses, a utilização de aeroportos a franceses ou os telefonemas e o acesso da internet a brasileiros. Pior ainda: mesmo quando vamos a hipermercados e julgamos estar a servirmo-nos dos serviços de retalho de empresas portuguesas, sabemos que elas transferem uma grande parte dos lucros para a Holanda ou para o Luxemburgo.
Quer isto dizer que os portugueses dão a ganhar lucros a quem os irá reinvestir noutras latitudes sem que nada condicione essa lógica capitalista.
Curiosamente sempre foi a direita quem herdou do salazarismo a ideia bafienta do patriotismo, do apego à bandeira ou ao hino nacional. E, no entanto, foi ela a principal impulsionadora dessa transferência paulatina da riqueza nacional para bolsos estrangeiros. Nesse sentido traiu muito mais esse conceito de Pátria do que, quantos à esquerda, sempre viram nela o argumento para causas belicistas ou argumentos de extrema-direita.
Neste aspeto o que se passa em França com marine le pen ou na Rússia de Vladimir Putin é um dos paradoxos do nosso tempo: é a extrema-direita quem consegue fazer convergir para si muitos antigos comunistas, porque usa precisamente este argumento nacionalista. Só que, coerente consigo mesma, sem pôr em causa a questão da propriedade e a redistribuição dos rendimentos, que eram as pedras basilares do ideário marxista.
E, no entanto, mais tarde ou mais cedo, a esquerda terá de se haver com estas mesmas questões, redefinindo o que deve estar na posse do Estado, mesmo que garanta esses lucros tão cobiçados pelos interesses privados. Por ora cabe-lhe defender a preservação da CGD como banco estatal e tudo fazer para que ganhe a maior quota de mercado possível.
Porque sabe que esse será um dos debates do futuro - já o começa a ser nos meios académicos! - a direita tem medo e entra em histeria. Quem não se lembra do nervosismo de telmo correia quando, há poucas semanas, invetivava a bancada do PCP por supostamente pretender a nacionalização dos bancos? Como se essa imperiosa medida tivesse de começar pela assimilação dos prejuízos de uma família, que esteve na primeira linha desse processo anti-PREC de transferência da riqueza nacional para outras mãos.
Surge agora a notícia do interesse de capitalistas mexicanos pelos hospitais desse universo GES, que constitui o corolário de uma variante de tal processo: depois de ter levado à prática a regra de «quem quer saúde paga-a» (proferida na Assembleia da República por um barão da direita nos inícios dos anos 80), a direita tudo fez para destruir o Serviço Nacional de Saúde. Para quê? Para que mexicanos ou quaisquer outros venham lucrar com os custos de quem ainda puder pagar para ter acesso aos bens que a Constituição impõe serem devidos a todos?
Sem comentários:
Enviar um comentário