segunda-feira, 4 de agosto de 2014

É miopia ou desvario?

Deveremos ter saudades dos verões transformados em «silly season»? Este ano tem sido, de facto, muito peculiar, com temperaturas e o céu nublado dissonantes do expectável no calendário, e com as capas das revistas semanais com matéria bastante para não se verem obrigadas a reciclar os artigos e inquéritos sobre sexo dos anos anteriores.
Já no ano passado os incêndios tinham servido de matéria de primeira página. Desta feita contamos com outro tipo de combustão, a que atingiu os negócios da família Espírito Santo. E, como há sempre quem nos queira tomar por parvos lá surgiram os corifeus próximos do Governo - de marques mendes a carlos costa, passando pelo inefável josé gomes ferreira - a quererem-nos fazer crer que a fatura não tardará a pesar-nos nos bolsos.
O operário letrado lembrado por Brecht num dos seus mais famosos poemas lembraria que se o Fundo de Resolução Bancária só conta com 182,2 milhões de euros e o banco recebe uma injeção de 4900 milhões de euros, como é que a bolota se conjuga com a perdigota? Sabemos que a Direita detesta a palavra «nacionalização», mas estamos perante algo que só eufemisticamente escapa a essa designação.
E, perante isto, que tem a dizer o ainda secretário-geral do PS? Depois da triste figura de há semana e meia, quando se confessou mais descansado depois de ter ido ouvir umas falácias do governador do Banco de Portugal, vem agora «exigir» que os contribuintes não arquem com mais este buraco. Depois de dar rosto a quem acredita em histórias da carochinha e a quem ninguém liga quando se trata de escolher o novo comissário em Bruxelas, quem ainda pode levar Seguro a sério?
Resposta óbvia: ele mesmo! Assim o comprova a entrevista dada ao «Público» deste domingo onde, a exemplo do que já acontecera na da «Visão», dá mostras de não ter a mínima noção do estado a que chegou o seu tipo de argumentação. Hoje vemo-lo como uma espécie de Rei Lear a quem todos estão a abandonar e é incapaz de compreender as culpas próprias explicativas da sua progressiva solidão. E são as suas próprias palavras, que acabam por mais profundamente o comprometer.
Basta vermos a forma como, dois meses depois, ele ainda continua agarrado a uma perspetiva muito sua sobre o ocorrido nas eleições europeias: continua a vê-las como uma grande vitória, como se os 31% tivessem estado muito próximos dos 44% de Ferro Rodrigues, quando há dez anos também as disputara na condição de líder da oposição de um governo de coligação entre o PSD e o CDS. E para desviar a atenção do que sabe ser o principal significado desse desiderato - a incapacidade em se fazer passar por um líder credível de oposição capaz de apresentar uma verdadeira alternativa ao governo - prefere atribuir responsabilidades à atitude coletiva dos eleitores para com os políticos: “conseguimos canalizar o descontentamento contra o Governo. Não conseguimos canalizar o  descontentamento e a desilusão em relação ao sistema partidário e político.
Mas o esforço para arranjar desculpas esfarrapadas leva-o a sentir-se com razão por ter conseguido melhores votações, que os demais partidos socialistas europeus. Como se nos pudéssemos contentar com o facto de a desgraça alheia ainda ter sido pior que a nossa: “O que é interessante perceber é que na Europa houve 28 eleições e só em seis é que os socialistas  ganharam. Nos partidos socialistas que estão na oposição, só ganharam em dois países: Portugal e Suécia, aí com cerca de 26 por cento. O critério de avaliação em termos percentuais e de vitória é muito favorável ao PS português.
Mas onde esta entrevista atinge a dimensão da involuntária comédia burlesca é quando, com toda a seriedade, Seguro diz: Antes desta crise, provocada pelo António Costa, eu diria que o PS tinha todas as condições para obter uma maioria absoluta.
Perante tal convencimento só podemos concluir que ele entrou em completo desvario. Porque foi precisamente por grande parte dos militantes terem concluído quão distante essa meta ficaria com a atual liderança, que acolheram com grande entusiasmo a alternativa para a qual António Costa se perfilou. E, com este, sim, voltou a poder-se acreditar nessa vitória significativa de que o país tanto carece!


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