sábado, 2 de agosto de 2014

Não é uma questão de um brinquedo que se queira conservar!

Na edição de hoje do «Expresso» o jornalista Fernando Madrinha comenta objetivamente o debate entre as duas candidaturas às Primárias do Partido Socialista: “sempre que Costa diz alguma coisa, Seguro reclama direitos de autor, lembrando que já a tinha dito antes. Talvez imagine que assim diminui o adversário, sem se dar conta de que é sempre o queixinhas que se coloca na posição subalterna”.
Salta, pois, à vista de uma significativa parcela de observadores, que a opção de António José Seguro tem sido a de se fazer passar pelo «menino da lágrima» ou, noutras versões não menos contundentes, como um grotesco Calimero.
Ao longo da entrevista da «Visão», ele esclarece, involuntariamente, as muitas razões que o desqualificam para ser o candidato do Partido Socialista às eleições do próximo ano. Se toda ela é eloquente nessa matéria, selecionemos três momentos em que Seguro procura desvalorizar António Costa. Mais uma vez sem compreender que é ele próprio quem se desvaloriza.
No primeiro diz: Ele partiu à frente, com muitas voltas de avanço. É completamente diferente estar três anos com as mãos na massa, a lutar pelo PS, a levar pancada, a enfrentar os adversários, o Governo e os comentadores e ter um programazinho chamado Quadratura do Círculo, durante uma hora, a dizer como é que deve ser, sem questionamentos, sem explicar.
O que nos diz este trecho da entrevista? Primeiro que tudo uma indisfarçável inveja por António Costa, denunciada pelo diminutivo para designar a «Quadratura do Círculo».
Só uma violentíssima dor de cotovelo pode explicar essa menorização de um dos principais programas de debate político da nossa praça. Porque, mais uma vez, ele julgar-se-á no direto de  se carpir histericamente por nunca lhe terem reconhecido estatuto nem valor para o convidarem a emitir opiniões em tal contexto.
Mas, a mesma fase da entrevista também elucida sobre a forma como ele vê o momento político atual: em vez de reconhecer que os portugueses se recusaram a passar-lhe procuração na criação de uma alternativa à Direita (não deixemos de ter presente o facto de só 10% dos recenseados terem votado no PS nas recentes europeias!), apresenta-se como um guerreiro exaurido por «muita pancada» ao longo de três anos, quando o recordamos como o interlocutor frouxo de um passos coelho, que, invariavelmente, o destroçava nos lamentáveis debates quinzenais.
Mas, mais adiante, até explica a razão de ser da sua frouxidão: “não posso propor um sonho irrealista, tenho de propor um sonho lúcido. O discurso dos salvadores pode fazer sonhar, durante as campanhas, mas depois vêm a ressaca e a desilusão. O sonho é possível, mas não é para amanhã. Querem? Muito bem, eu disponibilizo-me. Não querem? Eh pá, escolham outro.
Para Seguro as políticas deste governo são as realistas, que ele apenas desejaria minorar nalguns efeitos. Não entende quanto elas falharam totalmente nos seus propósitos - a dívida continua a aumentar, o «milagre económico» ninguém o viu e são-nos negados os direitos constitucionais, que julgáramos invioláveis! - e é incapaz de pensar numa alternativa.
A «agenda para a década» de António Costa será para ele esse «sonho irrealista», tal como o foram anteriormente a aposta na requalificação dos portugueses, a aposta nas energias renováveis, nas novas tecnologias e na investigação, ou a reforma administrativa (Simplex), que este governo atirou para as urtigas. Embora não se atreva a afirmá-lo - mas há quem por ele o jure! - as políticas dos governos de Sócrates foram exemplo desses «sonhos irrealistas» em que ele diz não embarcar. Por isso, aos portugueses ávidos de soluções para as suas inquietações, ele propõe uma mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma.
Mas, onde se mostra mais aguerrido contra Costa é quando diz: A minha linha de fratura é entre a nova e a velha política. A velha política que mistura negócios, política, vida pública, interesses, favores, dependências, jogadas e intriga... O que existe no PS mais associado a essas coi sas é apoiante de Costa..”
Ao afirmar esta rotunda mentira, Seguro sente-se confortado com o tipo de campanha escolhido por António Costa, que rejeita este tipo artifício politiqueiro de atirar lama para o adversário. É que, olhando para quem o rodeia, não será difícil adivinhar que se o adversário o imitasse na falta de escrúpulos, cada pedra atirada iria acertar fragorosamente nos seus próprios telhados de vidro.
O que denota este discurso anti-negócios é um tipo de demagogia típica das forças de extrema-direita com a qual o Partido Socialista nunca se tinha até agora deixado contaminar. Ouça-se Marine Le Pen em França e conclui-se que existem semelhanças desconcertantes entre o que ela proclama e o que diz Seguro.
Mas a realidade manda dizer que, mesmo quando Hollande, tentou contrariar esse tipo de discurso, dizendo em campanha que o seu principal inimigo seria o mundo financeiro, teve depois de engolir a expressão. Porque, na nossa sociedade capitalista - por muito que a desejemos transformar o mais rapidamente possível numa de tipo socialista - passará pela cabeça de algum político responsável que se tenha de opor a governação ao mundo dos negócios, quando estes cumprem todos os requisitos da legalidade?
A curto e a médio prazo, será possível reduzir o número de desempregados sem contar com a iniciativa privada capaz de apostar no investimento dos meios de produção e na contratação de novos colaboradores? Será que, para tal ser possível, não terão de existir bancos, que em vez de negócios especulativos, se empenhem em oferecer créditos a juros razoáveis a quem esteja apostado em criar o tal crescimento económico de que precisamos como pão para a boca?
Se é certo que o novo governo socialista terá de recuperar muitos dos desequilíbrios criados na legislação laboral e na contratação coletiva por este governo de direita com o beneplácito da servil UGT, cujos secretários-gerais (o atual e o anterior) estão obviamente com Seguro, António Costa é muito claro a definir com quem contará para infletir o curso seguido pelo país nestes três anos. E ele reivindica a participação de todos: trabalhadores, patrões e sindicatos, que deverão encontrar formas de consenso em que todos fiquem a ganhar. Os primeiros com o reconhecimento efetivo do direito ao trabalho sem precariedade e remunerado com justiça, os segundos com a garantia de contarem com procura passível de lhes garantir o retorno dos investimentos aplicados e os últimos com a recuperação do papel fundamental, que devem desempenhar na revisão da legislação laboral em defesa dos seus associados.
É claro que tudo isto é inalcançável pela miopia de Seguro. Enquanto não conseguir desviar-se da perspetiva em que se colocou (o de ter ganho um brinquedo e haver agora quem lho quer tirar!) ele mostra-se incapaz de compreender o que mais interessa aos socialistas, e sobretudo, aos portugueses em termos de liderança. E por isso mesmo terá de ser derrotado sem contemplações!


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