Apesar de tender sempre para o otimismo não estou certo quanto ao futuro imediato a esta pandemia. Ouço os profetas do apocalipse, que preveem o advento de poderosos modelos totalitários contra os quais pouco poderemos fazer. Ouço utopistas imoderados, que veem na pandemia o sinal anunciador de uma sociedade marcada por maior generosidade entre quem a integra. Nesta altura justifica-se a prudência de ver para crer como se fôssemos os espectadores da cena do Match Point de Woody Allen sem conseguirmos apurar para que lado da rede vai tombar a bola, que no seu topo desliza.
Podemos fazer figas, por exemplo, para que Trump e Bolsonaro se estatelem violentamente nesta fase da pandemia - mas bem sabemos o quanto isso significa em vidas perdidas dos mais pobres! - e sejam definitivamente empurrados para o caixote do lixo da História. Bastam esses dois acontecimentos para que a bola caia para o sítio certo, aquele que coincidirá mais facilmente com o desejo dos utopistas do que com os medos dos distópicos.
De Montréal, onde é professora universitária de História Medieval, a franco-húngara Piroska Nagy pende para o lado dos otimistas, valendo a pena aqui reproduzir o que disse por estes dias à France Culture: “Suspendamos a respiração, até porque nas cidades voltamos a ouvir o canto dos pássaros. Aconteceu o impensável: o mundo viu travada a sua louca correria - e isso é quase um milagre! - por vontade política. Podemos, pois, encontrar estratégias coletivas e solidárias para reagir aos grandes flagelos. A vontade política, que mude de direção, é possível e a desejável é muito clara. Com o desespero, que esta paragem fez surgir, aflora a esperança imperiosa, violenta, selvagem. Que o vírus da emoção venha em nossa ajuda para romper as correntes que nos prendem. Face à insustentável realidade de um horizonte sem futuro, da autofagia da nossa civilização: nós, humanos, somos capazes de pensar e fazer em conjunto a mudança de direção! Que esta paragem nos sirva para a pensar e executar. Se tudo parece correr mal, tudo de bom se torna possível!
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