quarta-feira, 22 de abril de 2020

O reverso de um negócio especulativo


Há quarenta anos apanhei o avião para Atenas, daí seguindo para Pakhi até embarcar num pequeno barco que me levaria àquele que foi um dos três maiores navios alguma vez integrados na frota mercante nacional. Com quase 350 metros de comprimento o «Neiva» (já tinha então o «Nogueira» como gémeo, a que se seguiria o «Nisa») era um superpetroleiro que, à chegada ao portaló, não impressionava, porque estava totalmente carregado com mais de 320 mil toneladas de ramas, que o faziam mergulhar nas águas do golfo de Megara até à linha de água.
As orientações da Soponata ditavam que depressa me identificasse com a instalação, enquanto o navio descarregasse a carga nos dias seguinte de modo a que, com uma tripulação renovada na Casa das Máquinas, tomasse novamente a direção de Gibraltar e, circundando toda a África, recarregasse no Golfo Pérsico.
Sem qualquer explicação os dias foram passando e nenhuma ordem para atracarmos chegava a bordo. A princípio essa demora até se revelou simpática por permitir-me visitar a Acrópole ou o seu Museu para apreciar as verdadeiras Cariátides. Mas, depois, fomos estranhando o impasse. Ouvíamos as notícias sobre os reféns norte-americanos capturados na embaixada de Teerão, mas não as associávamos à nossa impaciência até por termos outra, mais inquietante, a  incomodar-nos: andando as esquerdas absurdamente desavindas, tinham possibilitado que um homem pequenino e sem reconhecidos dotes de dançarino, conseguisse liderar o primeiro governo de direita depois da Revolução de Abril.
Passados mais de dois meses tudo ficou esclarecido, quando enfim se cumpriu o plano inicialmente gizado pela Soponata para o seu navio: ao atracar soubemos que o afretador conseguira um lucro líquido de mais de 25 milhões de dólares, porque esperara o tempo bastante para a mercadoria duplicar de preço nos mercados internacionais.
Embora esteja relativamente esquecido, esse Marc Rich foi, na época, um dos mais conhecidos especuladores, vindo uma penúltima vez a lume em 2001, quando causou escândalo o perdão assinado por Bill Clinton no derradeiro dia de mandato, ilibando-o de todas as acusações por que era procurado nos EUA. A última foi em 2013, quando morreu na Suíça, usufruindo a enorme fortuna e escapando incólume a quem pretendia vê-lo pagar pelos seus crimes financeiros.
Recordei esses tempos a propósito de, por esta altura, milhares de navios estarem no mesmo impasse em que me vi há quatro décadas na costa grega, sem saberem quanto poderão atracar para descarregarem. Com as refinarias a transbordarem de produto, eles são um dos muitos sinais de uma crise, que se afigura imprevisível nas consequências. E com a certeza de que, os marcriches atuais estarão, nesta altura, a fazer planos de contenção de danos em vez de ponderarem onde irão reinvestir os lucros de um negócio especulativo.

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