segunda-feira, 6 de abril de 2020

Quando nenhum sinal divino chega dos céus


Ultraortodoxos em Israel, evangélicos em França, nos EUA e em Singapura, outros cultos na Coreia, no Irão ou na Índia: são muitas as geografias onde o fanatismo religioso facilitou surtos expressivos da pandemia entre prosélitos convencidos da estultícia de cumprirem as regras básicas do distanciamento social. Pelo contrário: segundo os seus rabinos, pregadores, imãs e outros orientadores espirituais os respetivos deuses velariam pelo seu bem-estar e nenhum mal se lhes colaria. No fundo algo muito semelhante ao que o jagunço brasileiro foi anunciando nas redes sociais até estas se fartarem e lhe cortarem o pio.
Por esta altura talvez alguns desses sectários andem a dar tratos à cabeça sobre a miopia a que tão absurdamente se entregaram. Porque afinal esses deuses primam pela ausência e nem de consolo servem para quem vê a doença propagar-se à sua volta. Se as atuais circunstâncias não servirem para abrirem as pestanas, nem que seja numa pequena nesga, nada haverá capaz de os curar de tão inapelável cegueira.
Poderemos, em contraposição, elogiar a prudência da Igreja Católica, que cuidou de dar aos seguidores o acatamento da ordem para ficarem em casa. Prudentemente nem sequer a incontornável procissão das velas em Fátima se concretizará. A situação possibilitou as imagens eloquentes do Papa a pregar para o vazio da Praça São Pedro ou igrejas portuguesas apenas habitadas pelo padres no altares. Em desespero de causa alguns contrariaram a orientação e logo os mandaram recolher ao redil, outros quiseram armar-se em modernaços e emitiram as missas através das redes sociais. Mas quão expressiva demonstração da solitária impotência de tais tonsurados ao renderem-se à impossibilidade de conseguirem dos céus uma cunha capaz de amortecer as dores dos penitentes.
Quase nunca concordando com o que Miguel Sousa Tavares escreve ou diz, tenho de lhe dar razão quando, em crónica recente, constatava serem os médicos, os enfermeiros, os investigadores e os cientistas quem podem ajudar a Humanidade a salvar-se deste vírus. Já deveríamos estar mais avançados nessa evidência, mas num século em que a ciência ganha uma dinâmica aceleradamente transformadora das sociedades em que vivemos, os deuses fazem aqui qualquer sentido...

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