segunda-feira, 20 de abril de 2020

Da importância de não espalhar fakes


Às vezes surpreendem-me alguns links propostos por amigos nas redes sociais, que creem beatificamente em coisas incompatíveis com o seu ideário de esquerda. Não esqueço quantos vi entusiasmarem-se com discursos de Nigel Farage no Parlamento Europeu, quando se insurgia contra Durão Barroso como se as evidentes culpas desse interlocutor justificassem os propósitos de extrema-direita de quem os proferia.
Agora sucede o mesmo com um link, que alguns andam a promover e tem um conhecido crápula como seu protagonista. Luc Montagnier, que é dado como o chefe da equipa do Instituto Pasteur na descoberta do vírus da SIDA em 1983, depressa usou essa notoriedade para defender o indefensável: que os africanos poderiam ter evitado o surgimento da doença, se se alimentassem melhor; que a teoria da água de Jacques Benveniste, hoje desmascarada como fraude científica, mas ainda a servir de caução para as vigarices homeopáticas, fazia todo o sentido; ou, pior ainda, caucionando o movimento antivacinas, que tanto sofrimento vem causando a crianças afetadas por doenças para as quais poderiam ter sido protegidas.
Há muito que a comunidade científica descarta Montagnier como um dos seus, tantos têm sido os exemplos da sua atitude contrária aos princípios da experimentação e demonstração do que afiança ser incontestável verdade. Agora decidiu colar-se a Trump e outros que tais, defendendo que o vírus do covid 19 só poderia ter vindo de um laboratório. Para tal baseia-se num estudo indiano já retirado do acesso público tão contestado fora por cientistas de renome, porque defendia existirem sequências do ADN do vírus coincidente nalgumas partes com o do SARS-CoV2 e com o IHV. Como se alguém estivesse a fazer uma experiência de hibridização entre os dois vírus e algo corresse mal, escapando-se do laboratório que, segundo os conspiracionistas, só poderia situar-se em Wuhan.
Na realidade as pequenas similitudes nas longas sequências desses vírus são tão mínimas, que corresponderia a dizermos que Lobo Antunes andou a plagiar Fernando Pessoa só porque nos livros de um e de outro aparecem umas quantas palavras comuns no dicionário da língua portuguesa.
Mais esclarecedoras são as conclusões dos cientistas, que encontraram 96% de similitude dos genes do vírus com os existentes no morcego e em 98% com uma das proteínas do pangolim. O que confirma a tese de ter existido uma contaminação a partir do mamífero voador para aquele que tem escamas no dorso, deles passando o vírus para o homem.
Conclusão: quem anda a partilhar fakes sob o argumento de provir de reputado cientista anda a espalhar falsidades, que contrariam a evidência dos factos.

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