domingo, 15 de dezembro de 2019

Um Orçamento à medida das nossas realidades


Gostaria que o Orçamento Geral do Estado para 2020 me desse fundamentadas expetativas de ver aumentados os rendimentos (por aumento da pensão de reforma) e reduzidos os impostos (por revisão dos escalões do IRS).

Eu, que antipatizo seriamente com este tempo outonal e, ainda mais, com os rigores do inverno, igualmente preferiria ter sempre dias ensolarados, com brisas ligeiras e águas do mar a dezanove ou vinte graus para passa-los à beira-mar com o horizonte azulado e sem nuvens como paisagem de fundo.
Tivesse poderes mágicos e obviamente faria desaparecer da política internacional os trumps, os bolsonaros ou os salvinis, que fazem dos nossos telejornais o desfile de uma tremenda galeria de horrores.
Tais exemplos demonstram que a realidade é uma e os nossos desejos dificilmente com eles se compadecem. Por isso mesmo voltando ao primeiro compreendo perfeitamente que o documento ontem aprovado em conselho de ministros não é o que mais me conviria, mas é o melhor possível dentro dos constrangimentos a que António Costa e a sua equipa se devem ater.
Um amigo  e colega de profissão acusou-me ontem de enviesar argumentos para quase sempre defender o governo, mas convenhamos ser estranha essa conclusão em quem não só faz o mesmo para defender os que, à esquerda, o contestam. Aquilo que ele designa como contorcionismo não é mais do que a perspetiva distinta de cada um perante uma mesma realidade, que se analisa consoante esses tais desejos. Que até acabam por ser muito semelhantes, por não duvidar ter ele a mesma ambição de alcançarmos uma sociedade liberta deste capitalismo, que nos explora e oprime, e se paute por mais justiça social, menos desigualdades e recuperada para a importância dos valores da fraternidade entre os seus cidadãos.
Podemos almejar esse objetivo a breve prazo? Claro que não e quem o dizia era o José Mário Branco, que citava a propósito o cientista alemão cujos trabalhos em prol da cura da sífilis conheceram centenas de falhanços para, enfim, alcançar o pretendido sucesso. Por isso mesmo creio no êxito final do modelo socialista, hoje imperativamente associado à preocupação com a sustentabilidade do planeta, por muitos falhanços que, desde a revolução bolchevique russa tenha passado e ainda acabe por passar.
Surpreende-me que aquele meu amigo não pense assim, já que a profissão o terá habituado a cingir-se à leitura de manómetros, termómetros e outros indicadores quantitativos para melhor gerir a operacionalidade e a manutenção das instalações que geriu. E sempre soube quanto a leitura de pressões, temperaturas, consumos e outras medidas implicaram decisões sobre a velocidade com que o navio poderia singrar nas águas oceânicas. Quantas vezes a súbita alteração da temperatura da água do mar bastava para logo obrigar a alterar o fluxo do vapor para as diversas extrações, quando de instalação a turbinas se tratava.
Ao contrário do que Catarina Martins, Jerónimo de Sousa, Rui Rio ou os seus oponentes pressupõem, um Orçamento não é desenhado apenas em função das realidades internas do país. Sujeita-se aos constrangimentos externos, sejam eles económicos, sejam os decorrentes dos tratados a que o país se sujeita. Daí a importâncias das contas certas que António Costa reivindica como um dos eixos fundamentais do documento. Porque só com elas pode prosseguir o rumo tomado nestes últimos anos, quando começou a reduzir as desigualdades entre os portugueses - conforme o demonstra o coeficiente de Gini  - e se travou às quatro rodas a intenção das direitas em tudo privatizar.
Desejaríamos mais? Claro que sim! Mas o setor da Saúde, que ainda dá motivos às oposições para porem em causa os benefícios das políticas implementadas, sofre o efeito prolongado dos cortes impostos por Passos Coelho. Esse meu amigo sabe de sobra que, em mecânica, uma máquina não gripa quando lhe cortam o óleo que lubrifica as suas superfícies em movimento, mas quando a temperatura sobe e elas tendem a agarrar. Acusar António Costa do quase gripanço dos hospitais públicos é esquecer - até mesmo desculpabilizar - quem quis cortar na lubrificação.
É por tudo isto que, não esperando outro benefício do novo Orçamento que um Serviço Nacional de Saúde recuperado ou uma sociedade portuguesa mais igual, esteja totalmente de acordo com o que ele pressupõe. Porque já no século XVIII o filósofo francês Voltaire reconhecia que o ótimo pode ser inimigo do bom e querendo-o impor, será este último a ficar em causa, perdendo-se ambos como resultados das nossas insensatas ações e decisões.

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