terça-feira, 31 de dezembro de 2019

Se o ridículo matasse...


Se o ridículo matasse Jorge Jesus já estaria morto e enterrado há muito tempo. Pelo menos desde o embaraçoso convívio com a pintora Paula Rego, quando uma das televisões propiciou o encontro tão só o ouvira dizer que lhe apreciava a obra.
Mas aquilo que julgávamos o auge da inconsciente manifestação de analfabetismo cultural, que só pedia meças a Santana Lopes com as suas sinfonias de Chopin, conseguiu superar-se na  grotesca cerimónia com que Marcelo o quis medalhar a propósito de ter ganho o campeonato de futebol noutro país.
O propósito  da homenagem já era em si estrambólico, apenas revelador de duas coisas: que Marcelo não perde uma oportunidade de campanha eleitoral para a sua reeleição, mostrando inequívoca imaginação nos motivos porque consegue chamar a si as câmaras das televisões, mas também o quanto está rasteirinha a tradição de consagrar com medalhas quem supostamente faz alguma coisa pela pátria lusa. Se Mário Soares e Jorge Sampaio procuraram dignifica-la depois das lamentáveis cenas do 10 de junho no Terreiro do Paço durante o fascismo, Cavaco Silva primeiro, e Marcelo depois, voltaram a diminuir a relevância de um costume, que só ganha em ser liminarmente erradicado. Tanto mais que dá o pretexto para que uma múmia do passado (Manuela Ferreira Leite) aufira injustificados rendimentos obtidos a partir dos meus impostos só porque exerce o bacoco cargo de chanceler das Ordens Nacionais.
Quanto a Jorge Jesus já não sei se foi patético no que discursou, se aquilo correspondeu a uma espécie de involuntário número de stand by comedy, que suscitou nalguns confrangidos espectadores o sentimento de não lhe achar graça nenhuma. Sentir-se honrado por ganhar uma medalha com o nome do personagem  histórico que dava nome à praça onde passava todas as manhãs e julgar-se fadado para ser recordado daqui a muitos anos como aquele que, depois de Pedro Álvares Cabral, suscitou a fama lusíada no Brasil, corresponde a algo que um psiquiatra definiria como sintoma de uma narcisismo megalómano.
O lamentável é saber que quem organizou e viu tão esdrúxula cena não a terá considerado como inteiramente descabida.

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