O fim-de-semana trouxe inundações com fartura, que entupiram os telejornais com o estímulo ao lado voyeurista dos espectadores, reconfortados por não lhes caberem na sina a desdita de quantos ficaram com as casas alagadas ou os negócios postos em causa. Haja incêndios ou intempéries e as direções de informação descontraem, libertas do encargo de multiplicarem esforços para encherem o tempo previsto para os noticiários. E então se acontecem vítimas mortais ainda melhor, porque podem poupar nos estafados superlativos, garantido que está o principal argumento para darem ensejo ao estímulo das emoções coletivas tal qual o fazia Artur Albarran há muitos anos quando emitia enfáticos substantivos como «hor-roooor!», «draaaa-ma» e outros que tais.
Por alguns dias o Orçamento para 2020 ficou preterido no audiovisual televisivo, embora a imprensa escrita aproveitasse para ocupar esse espaço de discussão. Neste sábado, e pela direita, Miguel Sousa Tavares reconheceu ser este o primeiro Orçamento em que um governo propõe-se a gastar menos do que terá disponível como receitas, conseguindo o primeiro superavit em Democracia. E depois de enfurecida ladainha contra as negociações, que viabilizarão a aprovação do documento na Assembleia da República, volta ao elogio de se encarar com responsabilidade a herança a deixar às gerações seguintes não lhes fazendo suportar o egoísmo da que acha estarmos todos de passagem e lhe ser indiferente o mundo que existirá quando já cá não estiver. Como de costume o colunista do «Expresso» dá uma no cravo, outra na ferradura, embora se deixe pender quase sempre para a direita.
À esquerda do governo Manuel Carvalho da Silva questiona se “estamos condenados a ter uma sucessão de OE sempre a apertar-nos, tolhendo a vida do povo e a capacidade de percorrer novos caminhos, e tornando o país definitivamente pequenino?” Mas as soluções implícitas que pressupõe - virar costas às políticas impostas pela União Europeia, reduzir ou eliminar as rendas nalguns setores ou questionar a existência de excedente orçamental - mesmo contendo virtualidades, que não podem ser negadas, também implicam riscos que a dívida externa e a fragilidade da economia ainda dispensam. Depois de uma crise aproveitada pelas direitas para tentarem desequilibrar de vez, e a seu favor, o exercício da governação, ainda é tempo de sujeitar o doente a cautelas e a caldos de galinha. Que é a receita prescrita por Mário Centeno como forma de não deitar a perder os inquestionáveis avanços sociais conseguidos neste últimos quatro anos.
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