sábado, 30 de agosto de 2014

Notícia de um país que supostamente se desentroikara

A edição semanal do «Expresso» ganhou bastante com a inserção da coluna de opinião de Pedro Santos Guerreiro na segunda página do seu Primeiro Caderno. É que, se não fossem as opiniões por ele emitidas, associadas às de Pedro Adão e Silva ou de Daniel Oliveira (as de Miguel Sousa Tavares e de Fernando Madrinha têm dias!) imperaria um tipo de argumentação demasiado conotado com o governo de passos coelho.
Desta feita, no texto intitulado «As Malabarices de Passos», o antigo diretor do «Jornal de Negócios» conclui que «se o Passos de 2011 encontrasse o Passos de 2014, arrasava-o». Só não diz o que se tornou evidente para os muitos incautos, que acreditaram nas narrativas anti-Sócrates e deram o seu voto a quem lhes prometia não roubar nas pensões, nos ordenados, nos subsídios ou no próprio direito ao trabalho.
Quantos votantes no PSD foram professores ou outros funcionários públicos, que se tornaram entretanto desempregados de longa duração ou tiveram de recorrer à emigração para encontrarem meios de sobrevivência? Quantos reformados votaram no PSD (ou já agora no seu autodesignado provedor portas) e viram-se espoliados de significativas parcelas dos seus rendimentos tidos então como intocáveis?
Hoje passos coelho só consegue ainda aguentar-se no seu discurso falacioso porque não tem quem, enquanto líder da Oposição, o confronte seriamente com as malabarices de que fala Pedro Santos Guerreiro. Porque, sempre que conseguiu tempo de antena durante este sábado televisivo, António José Seguro não mais disse do que banalidades sobre o salário mínimo, o orçamento retificativo ou a privatização da TAP.
Olhámo-lo com a comiseração de quem ainda esbraceja para parecer figura importante, mas já as palavras sem outro sentido do que a mais veemente sensaboria, traem a íntima convicção de nadar contra uma maré que se apresta a engoli-lo.
Pelo contrário, Pedro Santos Guerreiro diz  seis evidências sobre o orçamento retificativo apresentado por maria luís albuquerque, que ganhariam ainda maior projeção se fossem precisamente ditas por quem deveria liderar a Oposição:
· que ele é a confissão sobre o fracasso no equilíbrio das contas públicas, porquanto reconhece a derrapagem de 1,5 mil milhões de euros na despesa;
· que essa derrapagem apenas em menos de metade se deve à reposição dos cortes de salários imposta pelo Tribunal Constitucional, por muito que se lhe queiram atribuir todas as responsabilidade por ela;
· que existe um fingimento ao soltarem-se foguetes com o aumento da receita fiscal, avaliada em mais 1,2 mil milhões de euros. Por isso mesmo quando andou a perdurar a possibilidade de se subirem os impostos alimentava-se uma falácia, porque, de facto, eles já aumentaram e muito;
· que  depois de tanto autoelogio em torno do milagre da multiplicação das exportações e da contenção nas importações, a realidade sobrepõe-se à ficção:, já que “estamos de novo à beira do défice externo”;
· que a dívida pública continua a ser revista sempre em alta ultrapassando  agora a barreira dos 130%
· que dois em cada três contratações das empresas estão a ser subsidiadas pelo Estado, não constituindo verdadeiramente empregos dignos desse nome. “Se fosse com Sócrates, o PSD diria que o Governo anda a comprar empregos»;
Em síntese, Pedro Santos Guerreiro reconhece que “a saída da troika devia ser o fim do inferno, mas desde então o que aconteceu foi o colapso de um dos nossos maiores bancos e a derrapagem da despesa do Estado”. 

Responsabilidade, o gosto de agir e a tranquilidade perante os desafios eleitorais

A entrevista de Fátima Campos Ferreira a António Costa serviu para clarificar três das suas principais qualidades e às quais os seus detratores seguristas tudo fazem por omitir: o enorme sentido de responsabilidade, o gosto por funções executivas e a tranquilidade com que encara cada pleito eleitoral.
A primeira daquelas qualidades evidenciou-a logo aos 13 anos quando a Revolução de Abril veio perturbar o normal funcionamento das escolas e a solução passou por garantir passagens administrativas aos alunos impedidos de ter as aulas previstas. O jovem António Costa decidiu, então, repetir o ano para não enfrentar insuficientemente preparado o passo seguinte na sua escolaridade.
O mesmo rigor demonstrou mais tarde, durante o governo de António Guterres quando este o convidou para substituir António Vitorino na pasta da Defesa. O jovem António Costa, então secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares não considerou ainda ter a maturidade suficiente para tutelar as forças armadas e optou por rejeitar o convite.
Com António Costa temos, pois, a garantia de um político sério e competente, que nunca tenta dar passos mais largos do que a perna para não falhar. Por isso mesmo, ao apresentar-se como candidato a primeiro-ministro pelo Partido Socialista sabemo-lo ciente dos exigentes desafios que o esperam e das formas mais adequadas para os superar.
Assim tivéssemos esse sentido de responsabilidade em António José Seguro, cujas competências só puderam ser avaliadas nestes três anos como secretário-geral do PS e com resultados mais do que duvidosos: para além de não ter aproveitado o facto de contarmos com um dos governos mais impopulares desde o 25 de abril para alavancar o apoio popular ao seu projeto, este nunca foi mais do que uma manta de retalhos dividida por 80 medidas, que nem sequer saíram da sua lavra, pelo que o vimos titubear frequentemente perante os jornalistas quando instado a comentar o momento político, ora pronunciando-se numa direção numas alturas, ora seguindo na contrária logo a seguir…
Seguro como primeiro-ministro só pode assustar quem dele tem a noção de uma mente gelatinosa, que abana consoante a forma como as circunstâncias a influenciam.
Mas António Costa também manifestou a sua preferência pelas funções, que lhe permitam fazer, mais do dar-se à retórica dos discursos parlamentares. Por isso mesmo olhamos para o seu currículo e ele é brilhante, quer como advogado, quer como membro dos governos de Guterres e de Sócrates, quer como vice-presidente do Parlamento Europeu, quer enfim como autarca lisboeta, que conseguiu em duas eleições consecutivas quase duplicar a votação do respetivo eleitorado, manifestamente agradado com a forma como tem levado por diante a transformação da capital.
Em comparação com tal currículo, o que tem Seguro para apresentar: algum diploma legislativo da sua lavra que tenha mudado algo de concreto na vida dos portugueses? Ou, quer no parlamento português, quer no europeu, fez mais do que emitir uns discursos inócuos ou esconder-se no anonimato das filas mais recuadas?
Mas, para além dessas duas qualidades, António Costa tem outra, que falta manifestamente a Seguro: a tranquilidade com que aguarda o veredito dos eleitores. Quando se tratou de enfrentar a CDU em Loures e quase vencê-la (ficou a 0,7%), não teve qualquer receio. Como não viu qualquer problema em sair do governo de Sócrates para derrotar a direita em Lisboa, quando ela parecia aí solidamente instalada desde que tinha derrotado João Soares (porque será que os crónicos derrotados surgem invariavelmente ao lado de Seguro?).
Olhando para o ainda secretário-geral vemos como ficou em pânico com a disponibilidade de António Costa para o substituir e arranjou o expediente das diretas (com que sempre estivera em desacordo!) para prolongar por quatro meses esta indefinição na liderança do PS, porventura pensando que se esbateria o efeito da novidade e com algumas chapeladas em Coimbra ou em Braga conseguiria manter-se no seu frágil trono. 
Razão tem Costa quando diz que quem encara um processo eleitoral com tal intranquilidade não merece ser eleito. Mas compreende-se: António Costa já demonstrou capacidades para ter vida para além do Partido enquanto Seguro, sem ele, como conseguirá evitar o merecido anonimato?

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

O difícil será o que se seguirá!

Um dos muitos equívocos, que Seguro ou quem o apoia, têm emitido é a falsa ideia de que terá trilhado o «caminho das pedras» e, «agora que é mais fácil», aparece António Costa a desarredá-lo da liderança do PS.
Fácil? Na entrevista à RTP António Costa desmentiu essa ilusão dos que em tal acreditam. Porque ou se prossegue com este modelo de (des)governação imposto por angela merkel, e que é entusiasticamente subscrito por passos coelho e maria luís albuquerque, ou se opta por outra alternativa bem diferente para a qual será necessário mobilizar apoios, quer interna, quer externamente.
Quando utilizam a falácia de já ter sido cumprido o mais difícil, Seguro e os seus apoiantes estão apenas a falar de si mesmos e não dos portugueses para quem deveriam priorizar as suas preocupações. A estes de nada dirá que um consiga satisfazer o ferido ego com a eventual indigitação como primeiro-ministro, ou que os seus mais diretos colaboradores se afiambrem a uns quantos ministérios. O problema é termos a clara noção que chegar lá poderia não ter sido muito difícil se António Costa não tivesse acedido ao pedido de inúmeros militantes mas o pior seria o que então fariam e aí sim temos razões para ter medo. Muito medo!
Porque para dar má fama a um certo tipo de governação socialista já bem basta o grego Pasok, que por isso mesmo se grupusculizou entretanto, ou o PS francês, que está a abrir alas para a passagem gloriosa da extrema-direita.
É para evitarmos que a austeridade continue a apertar o garrote em torno do pescoço dos portugueses e a própria Europa entre num novo ciclo já anunciado por académicos e políticos mais sagazes - incluindo aparentemente Mario Draghi e Jean Claude Juncker - que importa apostar na alternativa representada por António Costa.
Se Seguro acredita ser fácil o exercício do cargo de primeiro-ministro é porque não sabe, nem quer ser mais do que “his master voice” dos que têm mandado nestes três anos. Até porque tem jeito para se queixar do que não consegue e atirar as culpas próprias para outro lado. Agora que o desafio será difícil, mas implicará muita capacidade para governar, disso não tenhamos dúvidas.
E reconhecê-lo é sinal de responsabilidade, que tanto parece falhar aos que ainda mandam no Largo do Rato!

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

O perigo dos peixes começarem a acreditar nos macacos

Tenho quase lido aquele que será decerto um dos grandes romances de língua portuguesa publicados no ano em curso: «A Rainha Ginga» de José Eduardo Agualusa.
Mas independentemente dos seus méritos literários, que serão objeto de abordagem noutro blogue (“Tempos Interessantes”) vale a pena recorrer a um seu pequeno trecho para ilustrar o que podem significar as primárias do Partido Socialista.
Já quase no final do livro, o narrador vai visitar um feiticeiro conceituado, que lhe pergunta se conhecia a história do macaco e do peixe.
“Eu não conhecia. Então o quimbanda pôs-se a contar: andava um macaco passeando pela floresta. Movia-se aos saltos pelas árvores, quando topou com uma lagoa como esta e olhando-a, entre o encanto e o susto, porque todos os macacos receiam a água, viu um peixe movendo-se em meio ao lodo espesso, junto à margem. «Que horror!», pensou o macaco, «aquele pequeno animal sem braços nem pernas caiu à água e está a afogar-se.» O macaco, que era um bom macaco, ficou numa grande angústia. Queria saltar e salvar o animalzinho, mas o terror impedia-o. Por fim, encheu-se de coragem, mergulhou, agarrou o peixe e atirou-o para a margem. Conseguiu içar-se para terra firme e ficou ali, alegre, vendo o peixe aos saltos. «Fiz uma boa ação», pensou o macaco, «vejam como está feliz!».
Ri-me. Rimo-nos os dois.
- O que eu mais receio -continuou o quimbanda depois que parámos de rir - é que os próprios peixes comecem a acreditar nos macacos."
Este pequeno e delicioso trecho decerto que criará nuns quantos o desejo de ler na íntegra este romance, e posso afiançar não virem a sair defraudados. Mas voltando ao assunto que aqui nos move, e  antes de recorrermos à metáfora do macaco e do peixe, vamos começar por estabelecer um pequeno exercício académico:
· imaginemos que esquecemos o que Eduarda Maio investigou para escrever o seu livro «O Menino de Ouro do PS», concluindo que desde jovem, António José Seguro alimentou um porfiado despeito por José Sócrates, quando ambos militavam na Juventude Socialista de Castelo Branco. De facto, o talento e a sagacidade do futuro primeiro-ministro era já tão evidentes, que o bem menos dotado Seguro tinha de remoer em silencia a sua ressentida frustração.
· Não suponhamos que esse mesmo António José Seguro viu tal despeito ainda mais alimentar-se quando ouviu António Guterres declarar que seria Sócrates o mais qualificado para vir a ser o secretário-geral do Partido Socialista.
· Esqueçamos que terá sido, movido por essa inveja, que António José Seguro preferiu sentar-se na sexta fila da Assembleia da República durante a vigência dos governos do rival, quando não optou por ir juntar-se a Mário Nogueira nas galerias, quando se tratava de dar força à luta dos professores contra a ministra Maria de Lurdes Rodrigues.
· Façamos ainda os possíveis por olvidar que, inteligente quanto baste, António José Seguro terá concluído que os militantes do PS são pessoas emotivas a quem basta lembrar o nome da mulher, dos filhos ou do papagaio para considerarem o dirigente interlocutor como o ai-jesus que merece ser ungido como líder. E que por isso terá passado anos seguidos a multiplicar cumprimentos e abraços pelas mais recônditas secções o país, esperando a sua hora.
Passada pois a esponja por todos esses argumentos, que levam muitos militantes a estarem bem lúcidos quanto à (falta de) qualidade da direção, que tomou conta do partido a partir de setembro de 2011, imaginemos que os macacos da história do quimbanda de Agualusa é essa mesma corte que tem rodeado António José Seguro no Largo do Rato.
Imaginemo-los com as excelentes boas intenções do macaco, que acredita ter herdado o Partido de rastos depois do que julgam terem sido os desastrosos anos da governação Sócrates e se dispõem a salvar os militantes (os tais peixes que nadam no rio) de prosseguirem o seu percurso para o oceano.
Bem podem os mais previdentes alertarem que será no oceano, que estarão todas as oportunidades de crescimento e desenvolvimento por que anseia o país. Que depois destas estreitas margens, que apertam o rio, reside em chegar à foz a possibilidade de melhor sobrevivência…
Os macacos de Rato assim não entenderão e anseiam por retirar os militantes e simpatizantes do rio. Aumentando-lhes ainda mais o sufoco em que se encontram.
É por isso lamentável ver ainda muitos incautos a acreditarem nos macacos, porque parafraseando o seu líder, eles nada podem prometer porque nem sequer fazem ideia de como os salvar.
Por isso mesmo temos ouvido a muitos dos mais antigos militantes - aqueles que andarem em lutas renhidas em 74 e 75, muitas das quais de autêntica pancadaria - a predizerem que uma eventual vitória de Seguro em 28 de setembro significaria o fim do Partido Socialista.
Compreende-se-lhes a preocupação: Seguro e os seus pouco brilhantes colaboradores já deram provas sobejas de não fazerem sequer ideia do que significa ser socialista.
Por isso mesmo devem ser derrotados sem apelo nem agravo. Os danos que já causaram ao Partido e aos portugueses são demasiados para que possamos continuar a tolerá-los.
Os peixes - mais os do Sermão do Padre António Vieira do que os da história de Agualusa - devem avançar determinadamente para o mar. Porque é essa a sua natureza e é lá que o futuro se lhes torna mais risonho...


A Europa à Venda

Na sessão temática das terças-feiras do canal franco-alemão ARTE, a apresentadora iniciou o programa de ontem dando como exemplo a tentativa da venda da coleção de quadros de Miró por parte do Estado português. Pelas piores razões, o nosso país serviu de exemplo para o que se seguiria: a lógica da austeridade custe o que custar tem levado diversos países do nosso continente a venderem espaços e monumentos, que são fundamentais para a sensação de identidade dos respetivos povos. E é isso que, durante hora e meia, mostra o filme «A Europa à Venda» de Andreas Pichler.
Começamos por duas montanhas situadas a 2600 metros de altitude postas à venda no Tirol oriental em 2011 por 121 mil euros. A autora dessa proposta de transação foi a Agência Imobiliária Federal, uma instituição pública dependente do governo austríaco.
Tratava-se de algo semelhante a pôr-se à venda a Serra da Estrela apenas se passando a permitir o acesso a ela a quem pagasse à empresa privada, que com ela ficasse.
A autarquia da região, que estava completamente afastada desse processo, interveio e conseguiu o apoio popular suficiente para que a tentativa não passasse disso mesmo.
Foi ao tomar conhecimento de tal aberração, que Andreas Pichler iniciou uma volta à Europa para avaliar os processos de privatização de bens públicos promovidos pelos governos para tal aliciados pela mão invisível dos mercados.
A investigação resulta numa caracterização assustadora da situação, porque a crise serve de pretexto para a venda a pataco do património natural e cultural de muitas regiões europeias.
Na Irlanda, o Estado quase ficou na bancarrota para salvar cinco bancos falidos, mas não se intimidou com a revolta popular suscitada pela intenção de vender todas as florestas do país.
Muito embora tenha sido travada, essa venda não foi completamente posta de parte, o que obriga a uma atenção permanente dos que militam contra a perda do que resta da riqueza florestal da ilha depois de ter sido quase totalmente destruída para a construção dos barcos da Marinha Imperial britânica.
Em Paris o exemplo mais eloquente está situado na sua maior praça, a da Concórdia, onde fica o Palácio da Marinha. Também neste caso esteve em questão o seu arrendamento por 99 anos, o que criou uma tal celeuma, que o governo de Sarkozy recuou e deu o caso como encerrado.
Na Itália de Berlusconi o projeto passou por privatizar os vestígios da Antiguidade, incluindo o Coliseu cuja urgente restauração acabou por ser financiada no âmbito do mecenato, mas sem passar pela planeada afixação de painéis publicitários. E, no entanto, a gestão da bilheteira, atribuída a uma empresa privada garante 70% dos respetivos lucros a esta última e só 30% ao Estado...
Em Berlim são os espaços públicos nos dois lados anteriormente separados pelo muro, que se veem objeto da ganância das empresas imobiliárias, apostadas em criar blocos de apartamentos de luxo e expulsando para a periferia os habitantes históricos do bairro. No afã dessa especulação imobiliária secções do muro convertidas em representativas obras de “street art” são demolidas, sem olhar para o seu valor cultural e afetivo.
Em Barcelona as agências de turismo promoveram a instalação de bilheteiras no até então gratuito Parque Guëll para que os seus clientes se livrem das multidões, que costumavam por aí passear.
E o filme conclui-se na Grécia onde a troika obriga a desrespeitar a Constituição para facilitar a venda de terras e ilhas inexploradas, ainda no seu estado selvagem, para que fundos imobiliários norte-americanos possam ganhar fortunas com os seus projetos milionários.
Entre o cinismo tranquilo de uns e a resistência frágil de outros, a reportagem de Pichler é eloquente sobre um fenómeno que ameaça a liberdade dos cidadãos europeus em decidirem sobre o ordenamento do seu espaço público, urbano ou natural. E que tem a ver com esta lógica capitalista de tudo ser posto à venda e ser passível de exploração apesar de, até então, ter sido um bem de usufruto público...


quarta-feira, 27 de agosto de 2014

O carreiro que já lá vem !

Embora disso pouco falem os comentadores televisivos ou os que professam as suas doutas autoridades nos jornais, mas um vento novo já anda a pairar por essa Europa fora.  Bem podem os senhores da troika voltar a este cantinho à beira mar plantado em outubro para, sobretudo, ridicularizarem o célebre relógio de paulo portas ou Hollande purgar o governo de Manuel Valls para não indispor a senhora Merkel, que a realidade torna-se incontornável e vinga os seus fortes argumentos.
Não deixa, aliás, de ser paradoxal que o ministro Arnaud Montebourg  agora afastado por exigir o fim das políticas de austeridade no hexágono (decorem-lhe o nome porque será alguém determinante na política europeia dos próximos anos) se veja implicitamente aprovado por Mario Draghi que acaba de anunciar o recurso ao programa do “quantitative easing” para infletir a estagnação de toda a zona euro através da injeção de dinheiro nas economias.
Bem barafustou Jens Weidmann, que lidera o banco central alemão e constitui com Schäuble, o duo responsável pelo fundamentalismo ideológico destes últimos três anos. Ciente da sua razão Draghi decidiu dar força aos propósitos já anunciados por Juncker em promover políticas de crescimento económico em vez da rendição à deflação na origem dos atuais níveis de desemprego e de pauperização das populações mais desfavorecidas.
Lamenta-se, pois, que Hollande continue a demonstrar quão equívoca foi a sua eleição. O político apostado em levar a sério a guerra dos banqueiros aos cidadãos, rendeu-se-lhes sem sequer abrir a primeira escaramuça. E, pior ainda, viu os indicadores desmentirem uma das suas expectativas mais erradas: a de que, reduzindo os impostos às empresas, elas iriam apostar no investimento e na contratação de novos colaboradores, quando afinal elas embolsaram a poupança fiscal e mantiveram a lógica de nem investirem, nem contratarem.
A exemplo do que se passa em Portugal, o Partido Socialista francês viu-se assaltado a nível da sua direção por políticos que há muito perderam de vista o significado dos valores igualitários e de justiça, que os deveriam nortear. Hoje não se vislumbra grande diferença de estratégia entre os atuais dirigentes socialistas franceses e os seus adversários da direita. E, lamentavelmente, é a extrema-direita quem anda a beneficiar com essa descaracterização ideológica empunhando bandeiras outrora pertencentes ao Partido Comunista e a cuja pala conseguem arrastar multidões para a defesa da sua verdadeira agenda xenófoba e racista.
Infelizmente para os franceses, Valls e Hollande ainda não aprenderam a lição em que os portugueses já serviram de cobaias: que o ataque ao Estado Social e à redução dos direitos laborais não constituem solução para os verdadeiros problemas, que residem nos novos desafios trazidos por um euro mal desenhado, por um alargamento demasiado apressado da União Europeia e pela globalização sem qualquer condicionalismo regulador (mormente que penalizasse quem produz bens transacionáveis à custa da exploração do trabalho infantil e da inexistência de regras de segurança e saúde no trabalho).
Embora não se possa transpor diretamente a divergência entre Valls e Montebourg para o PS português - o primeiro tem em relação a Seguro uma coerência de pensamento, que em nada se compara com o «nem carne nem peixe» do nosso ainda «líder» - pode-se constatar que António Costa tem condições para associar-se aos que na família socialista e social-democrata europeia já exigem a alternativa às atuais políticas para forçar uma definitiva de rumo.
No presente e no futuro próximo, merkel, Valls, Hollande, passos coelho ou o seu gémeo Seguro são rostos do passado. Já não contam.
O futuro é dos que, como António Costa e Arnaud Montebourg, sabem que este carreiro não conduz a lado nenhum e já apontam para o outro que já lá vem.