O resultado das eleições inglesas lá nos forçam a regressar à célebre frase de Hegel a que Karl Marx deu complemento pertinente: a História tende mesmo a repetir-se pelo menos duas vezes, a primeira como tragédia, a segunda como farsa.
Quando Theresa May apareceu como ministra de Cameron com maiores probabilidades de lhe suceder depois do fracasso do referendo do Brexit, houve quem nela apostasse como réplica de Margaret Thatcher. O modelo estava lá, bastando seguir-lhe os passos.
As últimas semanas demonstraram, porém ,as suas mais que óbvias fraquezas: mentir descaradamente, convocando umas eleições, que asseverara não pretender antecipar; fugir aos debates com receio de se ver facilmente contrariada nas suas posições; e desrespeitar o compromisso de se demitir se perdesse mais do que seis deputados (perdeu doze!).
Se a «Dama de Ferro» constituíra uma autêntica tragédia para tantos ingleses das zonas mais industrializadas, a sua sucessora arrisca-se a ser a boba de uma corte à deriva ao largo de um continente, que a despreza. É que Theresa May apostara fortemente na possibilidade de vir-se a posicionar como elo de ligação entre a América de Trump e a desavinda Europa. Só que esta última ameaça tocar a reunir para corresponder aos desmandos do inquilino da Casa Branca, ele próprio desinteressado da possibilidade de abrir os cordões à bolsa, quando a concretização da rutura com a União Europeia precipitar a Grã-Bretanha numa previsível crise económica e financeira.
Nesse sentido terá sido positivo que Corbyn ainda não tivesse agora a vitória, embora por motivos bem diferentes dos que defende Jaime Santos num comentário a um post anterior: “Corbyn perdeu as eleições, cabe notá-lo, já que May não só teve mais votos, como vai formar Governo (com a ajuda de um Partido ainda mais à direita que os Tories). Ainda bem, digo eu, e ainda bem, deve pensar ele, porque se as tivesse ganho, teria que ir arranjar dinheiro para pagar tudo o que prometeu. Demagogia, meu caro, ainda é demagogia, mesmo quando vem da boca dos nossos. E é isso que distingue Costa e Centeno de Corbyn e McDonnell. O problema não é a defesa de nacionalizações per si, ou do aumento da despesa, mas sim onde vamos buscar recursos para isso. E essa resposta, enquanto a Esquerda não a der, vai continuar a dar com os burros na água... “
Esse nosso leitor continua a alimentar uma oposição tal ao Socialismo - a pretexto de se encurralar na ilusão social-democrata - que repete, mil vezes se preciso for, a charla dos meios de comunicação ingleses, que passaram os últimos meses a dizer do líder trabalhista pior do que Maomé o fazia do toucinho.
Demagogia, acusa Jaime Santos a respeito de Corbyn. E, no entanto, o que a campanha veio confirmar é tratar-se de um homem decente e coerente, preocupado convictamente com a justiça social. E por essas características ganhou respeito, suscitou admiração e simpatia!
É curioso que quem vitupera Corbyn poupa, e de que maneira, a rival conservadora que, ela sim, mereceria bem a campanha de desqualificação a que aquele se sujeitou.
Se defendo a vantagem de May ter obtido uma vitória de Pirro, só fundamentada no apoio da direita irlandesa, é porque se trata de coligação frágil, previsivelmente tombada em ruínas, quando os efeitos da negociação com a União Europeia começarem a traduzir-se em efeitos gravosos para muitos setores da sociedade inglesa.
Corbyn constituirá, então, a reserva da nação britânica para lhe garantir a
desejada redenção. Com nacionalizações, pois então, porque esse é imperativo da ação da esquerdas nos próximos anos. Porque é inaceitável, que serviços essenciais para os cidadãos tenham sido privatizados, impedindo o Estado de os organizar de acordo com os interesses coletivos e deles vendo sonegados os rendimentos, que vêm enchendo os bolsos dos interesses plutocráticos.
A preocupação de Jaime Santos, e de muitos que pensam como ele, é própria de quem, por ela revela a sua opção de classe: com que dinheiro se vão pagar as indemnizações aos atuais proprietários dos bens a nacionalizar? Como se, ao longo de décadas, eles não tivessem tido o retorno mais do que excessivo das aquisições em tempos feitas com a cumplicidade de Thatcher e de outros políticos conservadores!
Esta semana, na Quadratura do Círculo, Jorge Coelho dizia algo de bastante certo: com as mudanças evidenciadas no universo político europeu e norte-americano, deixou de fazer qualquer sentido a preocupação com a falsa regra de «se ganharem eleições ao centro». Sobretudo, porque as direitas guinaram de tal forma para o seu lado mais extremo, que as esquerdas, mesmo moderadas, arriscam-se a passar por radicais. Quando o que defendem não é mais do que o programa em tempos defendido por gente tão pouco extremista como o eram Mitterrand, Harold Wilson ou Olof Palme, qualquer deles cientes da importância de um forte setor empresarial do Estado.
O que campanhas bem sucedidas como as de Sanders ou Corbyn prenunciam é a chegada de um novo paradigma em consonância com a matriz marxista dos respetivos programas. Que, não esqueçamos, conseguiram atrair o apoio dos que mais interessam nesta altura: os jovens.
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