Há seis meses, quando Putin dominava a cena política internacional e Trump preparava-se para ocupar a Casa Branca, a realizadora Flore Vasseur rodou um documentário de quase cinquenta minutos em que reuniu Edward Snowden, Larry Lessig e Birgitta Jónsdóttir num quarto de hotel em Moscovo para que discutissem se existe alguma possibilidade de salvação da Democracia, quando ela parece tão em risco. O título: «Meeting Snowden».
Do antigo colaborador da CIA e da NSA, que denunciou a espionagem intensiva praticada contra a população norte-americana e a dos seus aliados, não vale a pena acrescentar mais: ele é simplesmente um dos grandes heróis do nosso tempo, por muito que isso o obrigue a viver na dependência de uma autorização de residência há pouco renovada até abril de 2020. Questionado sobre a possibilidade de servir de moeda de troca num qualquer negócio entre Putin e Trump, Snowden reconhece nada estar ao seu alcance para o evitar, mas, mesmo assim, reconheceria ter valido a pena a iniciativa, que deu ensejo ao hipócrita Obama de o chamar «traidor».
Larry Lessig é professor de Harvard e um denodado ativista no objetivo de mudar a legislação sobre o financiamento das campanhas eleitorais norte-americanas, apostando numa reaproximação efetiva entre os representantes da Democracia e o povo, de que supostamente seriam porta-vozes. Identificando um enorme abismo entre os políticos e os eleitores, ele explica a vitória de Trump como sendo a de quem mostrou uma autenticidade politicamente incorreta contra a falsa integridade da opositora.
Quanto a Birgitta Jónsdóttir trata-se de uma deputada islandesa do Partido dos Piratas, que já esteve quase a conseguir a liderança do Governo. Hoje continua motivada em conseguir a criação de um sistema alternativo ao atual, fazendo com que as pessoas voltem a sentir-se parte da Democracia. E está convicta de que os governos só aceitam a pirataria se a controlarem em seu favor, execrando-a quando isso não sucede.
Snowden defende existir uma teoria dos dominós por parte dos principais governos ocidentais, apostados em cercearem uma a uma, as principais liberdades dos seus cidadãos. A ideia é convencê-los de que podem desistir delas, porque o Poder encarrega-se de lhes garantir a segurança. Por isso mesmo o terrorismo tem-lhes servido de pretexto muito útil para suscitarem o medo e assim mais rapidamente conseguirem os seus objetivos. Eles sabem ser mais fácil controlar gente assustada do que as confiantes na capacidade de serem elas a definirem o seu próprio futuro. Por isso mesmo importa quebrar esse medo, levando a que pessoas vulgares possam concretizar coisas extraordinárias. Como por exemplo inspirarem-se em propostas há demasiado tempo esquecidas, mas potencialmente vencedoras, feitas da criação de laços de solidariedade acima de quaisquer fronteiras e tendo âmbito bem mais lato e poderoso, que o de todos os governos do mundo, na exigência de uma sociedade mais humana.
É que todas as mudanças históricas aconteceram quando sistemas obsoletos foram derrubados por quem não os sentia capazes de corresponderem às aspirações. Ora quem sente otimismo perante um sistema capitalista a rebentar por todas as costuras, agravando desigualdades e reduzindo o número dos que nele encontram resposta para as suas intimas aspirações?
Snowden, Lessig e Jonsdottir sabem que os desafios são enormes mas tangíveis. Restaurar a Democracia é um imperativo, combatendo a manipulação das populações com fake news e outras mensagens, que pretendem prejudicar-lhes os interesses primordiais. Snowden até diz mais: ninguém pode esperar que venha alguém salvar o mundo para si. Cada um tem a responsabilidade de fazer o possível para derrubar o edifício corrupto em que se transformou a falsa ideia de Democracia, substituindo-o por outro, liberto dos seus vícios.
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