sábado, 24 de junho de 2017

A origem do cenário de cinzas

Como não dar razão a Pacheco Pereira, quando ele descreve a maioria das transmissões televisivas dos últimos dias como um enorme exercício de «masturbação da dor»? Valeu tudo para garantir audiências e, tanto quanto possível, incriminar o governo por tudo quanto, legitimamente ou não, se inscreveria no âmbito das suas competências. Ainda assim alguns desses trabalhos informativos tiveram o condão de exemplificar a raiz em que assenta o problema anual dos fogos florestais: foi o caso da entrevista com o “benjamim” de uma aldeia com cinco habitantes, dos quais esse homem de 67 anos, era o menos incapacitado.
Em regiões tão desertificadas, com espaços habitacionais quase inteiramente desocupados, restando um punhado de idosos, como é possível garantir a limpeza dos matos se eles mal ganham para a alimentação e para os remédios?
Olhando para o passado foi Cavaco o «autor» deste Portugal, que recebeu subsídios fartos para abandonar a agricultura e as pescas. Não  foi por acaso que, tão só convidado a formar o seu primeiro governo, foi buscar o Ministro da Agricultura à Soporcel. Essa nomeação continha todo o programa que  se seguiria nos anos dos governos AD: o abandono dos campos, a ocupação progressiva do território com eucaliptos. Formaram-se desde então uma catadupa de lobistas da fileira das celuloses, que iremos ouvir nos próximos dias repetirem tantas vezes quanto as necessárias, que o eucalipto é «nosso amigo», um «petróleo verde», que tanto nos poderá enriquecer. Seria muito positivo que, por cada uma dessas intervenções, tais “especialistas” e “professores universitários” nos elucidassem quanto aos patrocínios escondidos por trás do frete a que se dispõem.
Seriam depois participantes nesses governos das direitas, que constituiriam o BPN e proporiam a Durão Barroso a parceria público-privada para a utilização do SIRESP, equipamento de comunicações, que valeria no máximo 100 milhões de euros e foi comprado por cinco vezes mais.
Do que os cavaquistas e as direitas em geral não terão assim tanta culpa é quanto ao aquecimento global, já manifestado no início precoce do verão enquanto ainda deveria ser só primavera, e estendendo-se outono adentro até ao começo da estação das chuvas, concentradas num cada vez mais exíguo período de inverno. No sábado da tragédia a temperatura média foi de 29,4ºC, ou seja dez a mais do que se deveria verificar nessa altura.
Agora a dificuldade será corrigir  o que todos sabem estar mal: as propriedades muito pequenas e segmentadas, a vegetação descontrolada a tomar conta de todos os terrenos abandonados, a inexistência de um ordenamento criterioso com caminhos de acesso para os meios de combate a incêndios e abertura de clareiras para a preparação de “fogo amigo”. Mas, tendo em conta a reação truculenta dos que viram as suas casas derrubadas nas ilhas em frente a Faro e a Olhão, bem se poderá esperar bem pior, se o governo avançar com expropriações coercivas das pequenas propriedades regressadas ao seu estado mais selvagem. Não faltará Cristas a esganiçar-se contra o que entenderá ser um atentado à propriedade privada.
Certo é que, por conta do sucedido, este governo será sujeito a trabalhos esforçados nos próximos meses. Sobretudo se quiser reduzir as possibilidades de ver repetido este desolador cenário nos anos vindouros...

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