terça-feira, 14 de maio de 2019

O Tranglomango que afetou Marcelo


Tenho amigos, que costumam-me dar razão em quase tudo quanto escrevo sobre os acontecimentos políticos nacionais, mas que se escandalizam quando é Marcelo o alvo das minhas críticas. Eu que nunca senti qualquer simpatia pelo personagem, fico atónito com a devoção acrítica, que ele lhes merece. Daí que a recente crise me tenha suscitado um conjunto alargado de conclusões sobre o presidente, que nos calhou em desdita nesta fase da nossa vida.
Sobrelevam, porém, um conjunto de questões para as quais gostaria de ter resposta: será que, a exemplo dos comentadores mediáticos, sintonizados com a agenda política do presidente, também esses amigos terão ficado desconcertados com o silêncio a que ele se remeteu? Encontrarão alguma coerência entre aquele que vinha sendo um autêntico «picareta falante», desde que ganhou habilidosamente a eleição para a qual estava muito longe de ser o candidato mais qualificado, e o recato a que se remeteu durante mais de uma semana? Não terão ficado perturbados pela manifesto desconforto de Marcelo, quando falou de si na terceira pessoa, como se entre ele e o presidente houvesse alguma distância?
Se a crise foi nefasta para Rio e Cristas (bem menos para Catarina e Jerónimo, que nunca tinham saído das suas posições!), também não se revelou menos benigna para com Marcelo que, em dois momentos-chave, fez o que Mário Nogueira lhe pediu: recebê-lo em Belém como gesto acintoso para com o Ministro, que lhe negara as pretensões, e vetar um diploma do governo em que a decisão estava a ficar definitivamente resolvida.
Maquiavélico por natureza, Marcelo terá apostado que a guerra com os professores conseguiria dobrar António Costa, que julgara comprometedoramente curvado com as estórias dos incêndios e de Tancos, e potencialmente quebrável com um novo impulso. «Às três é de vez!», ter-se-á previsto no gabinete presidencial, quando se viram todas as forças parlamentares, à exceção do Partido Socialista, a unirem forças contra o governo.
Marcelo terá esquecido que, se anda na política desde que acompanhava o pai e o padrinho nas cerimónias mais importantes do regime salazarista-marcelista, também António Costa possui vasto tirocínio desde que, aos 14 anos, solicitou a adesão ao seu partido de sempre.
Para Marcelo ver-se sem tapete debaixo dos pés terá sido tão desconfortável, quanto o sentiram na pele os dois líderes das direitas, ademais confrontados com as suas evidentes cambalhotas. De repente a possibilidade de inviabilizar uma maioria das esquerdas na próxima legislatura esboroou-se ruidosamente.
O que terá pensado Marcelo no seu demorado silêncio só o poderemos especular. Mas o atabalhoamento perante os jornalistas na primeira ocasião em que estes o apanharam, finalmente, a jeito, não pressagia coisa boa. Nunca conseguindo dissociar-se da condição de Beto caprichoso da Linha, ele não terá apreciado, que lhe estragassem a brincadeira. Para ele o problema é que António Costa já deu mais do que provas de não ser para subestimar. E quem o disse foi outro figurão, Paulo Portas, que nunca esquecerá o enxovalho a que se viu sujeito na história da vichyssoise.

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