Não é pelas declarações de Lobo Xavier, que trago à colação a ultima emissão de «Quadratura do Círculo» antes das férias: por muito que ele tenha dito - e ainda bem! - que os partidos das direitas deveriam pedir desculpa aos portugueses pela utilização necrófaga dos mortos de Pedrógão, também deu ferroada no governo considerando que, de igual modo, também este se deveria entregar a penitência similar.
O que me interessa focar é a obsessão dos «moderadores» quanto a justificar-se uma crise política, com ou sem moção de censura. A ideia que se pretende transmitir é a de uma liderança desnorteada do governo, que exibiria assim as suas supostas fragilidades.
Será tanto assim? Como sempre intentei ao longo da vida, há sempre um lado positivo a retirar do que, momentaneamente, nos possa parecer mais questionável.
Semanas atrás, quando as boas notícias sobre a economia e as consequentes reações europeias surgiam a ritmo diário, senti o perigo de uma euforia acima do desejável. Tanto otimismo geraria tentações megalómanas e com elas as respetivas ressacas. Apesar da dimensão trágica, a sucessão de incêndios no interior do país vem-nos confrontar com a dura realidade: a excelência do governo e da sua maioria parlamentar não bastariam para domar todas as contrariedades criadas pelas circunstâncias mais desfavoráveis. A secura extrema de todo o território, a excessiva carga de combustível acumulada em florestas e baldios e as temperaturas elevadas associadas ao vento forte, criaram as condições para ver, aqui e além, demonstrada a justeza da Lei de Murphy.
Vale às esquerdas o grau rasteiro de inteligência, que as direitas vêm demonstrando. Quando Marcelo ou Lobo Xavier condenam o aproveitamento dos mortos de Pedrógão na última semana, fazem-no com a inteligência de inspiradores dessa área política, de que nunca quererão, nem saberão dissociar-se, mas adivinham fronteiras de decência a nunca serem atravessadas. O problema com as cortes de Passos Coelho ou de Assunção Cristas é sentirem-se, dia-a-dia, mais frustrados com a inconsequência das suas táticas. É que nem sequer chegam a ter estratégias com algum alcance: navegando com terra à vista vão desejando encontrar uma baía amena, uma pequena enseada que seja!, capaz de aliviar os enjoos do alto mar. O resultado é, quando se aproximam, arriscarem calamitosos naufrágios em escolhos, que lhes são adversos.
Para as esquerdas este estado moribundo das direitas acaba por ser inesperada benesse: os comunistas consolidam ainda mais a imagem de coerência, que costuma ser sempre a sua; os bloquistas arriscam conselhos à manifesta imaturidade da liderança do PSD a quem crismam, com bastante oportunidade, de «Partido Significativamente Desesperado»!
É, porém, o governo quem vai acumulando maiores ganhos com as lamentáveis atitudes das direitas, até por saber que os indicadores económicos e sociais mantêm a evolução positiva. Ainda hoje a dívida a dez anos estava a descer com o INE a confirmar em alta os valores de confiança dos consumidores e o desemprego a descer abaixo do previsto. Não tivessem os incêndios como leitmotiv para quase todas as suas emissões e as televisões teriam de dar disto notícia em mais do que notas de rodapé.
Subsistem, pois, as razões para os portugueses prosseguirem na tendência eleitoral de se orientarem para a esquerda, esvaziando, mais e mais, a influência das direitas. Mas cientes de que os sucessos podem ser a qualquer momento postos em causa pelas forças naturais - ou, noutra dimensão, pelos condicionalismos internacionais - poupam-se a ambições muito acima do atualmente realizável. O que vale para as reivindicações dos partidos mais à esquerda, que desejariam ver concretizado muito do que decerto António Costa subscreveria, mas ainda sabe demasiado cedo para lá chegar.
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