É esta a história: a mulher estava zangada com tudo e todos à sua volta. Tinha uma venda de peixe, que falira, seja porque lhe tinham cancelado a autorização, seja porque os detestados vizinhos nada lhe comprarem, preferindo abastecerem-se no hipermercado.
Naquela tarde, sentada em frente à televisão, sentia-se acossada, e profundamente infeliz. As reportagens sucediam-se aqui e acolá, invariavelmente feitas de colunas de fumo, bombeiros a estenderem mangueiras, pessoas intimidadas com os perigos iminentes. De repente, num impulso sem controle, questionou-se: porque não? A duzentos metros de casa havia muito restolho seco e uma breve faísca de isqueiro logo cuidaria de atear vistoso fogo. E foi isso que fez.
Azar o seu: à distância, quem estava num posto de vigilância, não se deixou distrair. Viu-a sair de casa, aproximar-se do campo ao lado e o fogo logo a surgir por sua manifesta intervenção. Daí a chamar a guarda para a irem prender foi um curto lapso de tempo. Assim se explicou um dos muitos incêndios destes dias, no caso específico um dos que irrompeu em Vila Velha do Ródão. Sobre esse não sobraria dúvida quanto à responsabilidade de mão humana.
Embora saibamos quão difícil está a meteorologia e como o abandonado interior acumula, ano após ano, sempre maior carga de combustível nos seus campos e florestas, desconfiamos da amplitude de tanta destruição. Haverá inspiração política em muitos dos sinistros? Nunca o poderemos confirmar. Mas sabemos como existe este efeito de mimetização do comportamento dos pirómanos. Por isso faria todo o sentido limitar o mais possível o espetáculo permanente de queimações um pouco por todo o lado. A exemplo do que acontece com os suicídios, sobre os quais, excetuando a ignóbil referência de Passos Coelho, vigora prudente silenciamento pela comunicação social, ciente da sua responsabilidade em evitar que se tornem numa epidemia.
No caso da mulher de Vila Velha do Ródão a questão põe-se sobre a sua culpa: é ela a mais criticável por ter ateado o fogo ou as televisões que a induziram a tal fazer como resposta às suas patológicas frustrações?
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