terça-feira, 17 de novembro de 2020

A perdida guerra dos trumpistas

 


O texto é de Simon Blin e está na edição de hoje do «Libération»: existe uma similitude assaz curiosa entre os trumpistas inconsoláveis com a derrota do seu ídolo e os fãs da «Guerra dos Tronos», que exigiram a reescrita do final da série de modo a ajustar-se ao que julgavam mais conforme com os seus desejos.

É uma realidade sobretudo percetível no mundo anglo-saxónico: uma tal adesão à história, aos personagens e sua ambiência, que os maluquinhos de certas séries têm ´sintomas depressivos, quando elas acabam. Por quererem, que prosseguissem, sentem-se injustiçados pelos autores das histórias e gostariam vê-las indefinidamente a exorcizarem-lhes as frustrações, a alimentarem-lhes os sonhos impossíveis.

No fundo não é caso apenas dos nossos tempos atuais: não teve sir Arthur Conan Doyle de ressuscitar Sherlock Holmes depois de o ter deixado morto nos Alpes suíços? Se era assim na literatura, porque o não será nesta nossa sociedade em que as imagens substituíram o primado das palavras escritas?

Constituindo um produto televisivo, Trump é mais um personagem, que satisfez os requisitos de quantos o apreciaram. De fora, podemo-nos questionar como ter-se-ão deixado sugestionar por um tal narcisista ciclotímico, mas no capítulo dos fanatismos são difíceis as explicações racionais para o que só deriva das patologias coletivas. Havendo um consolo a reter, provavelmente esses teimosos trumpistas, que carpem as dores da derrota, depressa arranjarão outro personagem sobre quem focalizem os afetos. E convenhamos que dificilmente será pior do que este, já transitoriamente moribundo, sem remissão que o salve do destino fatal. 

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