terça-feira, 2 de outubro de 2018

Onde se começa a falar de Tancos e se acaba nos mistérios do Amor. Ou do desamor?


As notícias sobre Tancos andam na ordem do dia mas, ao contrário do que pretendiam as direitas, ninguém no governo sai beliscado por quanto a investigação tem produzido como provas. Aliás, sempre surpreendeu a ligeireza com que quiseram pôr em causa o ministro da Defesa por tutelar as Forças Armadas, mas sem nunca questionarem, nem muito menos pedirem a demissão do seu Comandante-Chefe, nada mais, nada menos do que Marcelo Rebelo de Sousa. Ou será que este último esgota as responsabilidades políticas de cada uma das suas áreas de decisão no ato de tirar selfies com quem nelas é relevante ator?
Do que se tem sabido adivinha-se que o ladrão confiava na bagunça do passado (quem estava no governo antes deste Executivo?) para cometer o ato sem que ninguém se manifestasse. Cabe equacionar quantos casos idênticos terão acontecido até então, sem que nada soubéssemos sobre eles? E não constitui esse desejo de atirar o lixo para debaixo do tapete, dando primazia à recuperação do espólio roubado do que ao desmascaramento do ladrão, uma demonstração da cultura de silenciamento do Exército sobre os seus podres?
Uma coisa parece certa: se, apesar de assustado com as repercussões do caso, o ladrão tivesse mantido o produto do roubo na casa da avó, teríamos saga para as direitas zurzirem no governo até se fartarem. O ter decidido corrigir o tiro fez com que o ladrão se denunciasse.
Fica também uma dúvida: quem terá sido o autor da carta anónima, que denunciou o encobrimento do caso, sem que o seu autor - quase por certo um dos atualmente tidos como suspeitos! - se desse a conhecer? O que pretendia, ou pretende?
Se o Exército precisa de uma operação de limpeza interna, as polícias não estão melhor segundo o relatório do Conselho da Europa. O seu relatório alerta para a infiltração de elementos das extremas-direitas nos corpos policiais, daí se explicando alguns episódios de racismo nas esquadras e nas ruas. Embora politicamente valham menos de 1% de votos nas legislativas, as extremas-direitas pretendem alterar a sua irrelevância através da influenciação do comportamento policial.
Essas extremas-direitas estão, igualmente, no «Observador» e noutros órgãos de comunicação social, contra os quais o Daniel Oliveira emitiu prosa elucidativa na sua crónica de ontem. Que concluía assim, tendo como principais emissários Rui Ramos, Helena Matos e João Miguel Tavares: “[a direita populista] alimenta-se de meias-verdades e ressentimentos. Mas não é a nossa liberdade que os ocupa. É a destruição dos limites que subsistem ao poder dos que verdadeiramente mandam.”
Outra crónica de jornal, que vale a pena ser conhecida, é a de Mariana Mortágua no «Jornal de Notícias», ainda na ressaca da forte impressão nela deixada pela representação de uma versão de «Otelo» no Teatro Nacional de São João. Associando o protagonista da peça de Shakespeare aos muitos homens que, anualmente, matam ou agridem as respetivas mulheres e companheiras, ela escreve: “Otelo amava-se apenas a si mesmo. Amava a admiração e a piedade que, segundo ele, Desdémona sentia pelos seus heroicos feitos e provações.”.
Vivemos, de facto, numa sociedade em que o Amor está continuamente publicitado em telenovelas, em canções, em filmes e outros veículos de mensagens para quem as vê, ouve ou lê. Mas, na realidade o Amor continua a ser um sentimento raro, tendo em conta que a maioria dos que dele se dizem cultores não deixam de amar-se sobretudo a si mesmos.

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